23 de março de 2008

O que é meu não é mais seu

“Cristiana,
(...) Foi impossível ler isso sem deixar de ter, todo o tempo, como pano de fundo na memória, aquela cena de Almodóvar, em ‘Fale com Ela’, em que o jornalista escritor de guias de viagem, Marco, sai de um pocket show de Caetano, se afasta dos outros, a toureira-então-namorada se aproxima, pergunta o que foi, e ele (depois de dizer que o canto de Caetano lhe arrepia os pelos da bunda) diz algo assim: ‘o amor, quando acaba, é a coisa mais triste que existe, como diz uma canção de Jobim’. Adoro aquela cena e lendo você lembro dela.”



Esse foi o comentário que Malu, a que, por sorte (uma vez que isso estreitou nosso vínculo), elegi como minha primeira crítica especializada, fez ao ler o texto que escrevi sobre o término do meu namoro com Davi. Acho interessante publicá-lo aqui, não só porque ele fala de um momento que marcou indelevelmente a minha vida, mas também porque, de certa forma, ele representa uma espécie de “antecedentes” desses outros textos que caracterizam as “pequenas porções de diversão”.

O que diz a música de Jobim citada pelo personagem de Almodóvar lembrado por Malu corresponde, parcialmente, à minha experiência. O fim do meu namoro com Davi não coincidiu, propriamente, com o fim do amor; este só acabou muito tempo depois. A coisa mais triste que existe talvez seja, justamente, a separação quando o amor ainda existe. Eu, pelo menos, tenho motivos de sobra para acreditar nisso.

Com base no que vivi, posso estabelecer um paralelo com uma outra música de Jobim (cantada por Caetano, em "Prenda Minha"), cujo título é “Meditação”, uma vez que passei por todas as etapas que são descritas nesta canção. Acreditei no amor, no sorriso e na flor, e sonhei, sonhei, e como sonhei! Abriguei a tristeza de ver tudo isso se perder e procurei o caminho a seguir, já descrente de um dia feliz. Chorei, chorei, e tanto que o pranto, quando secou, secou de vez. Desde então, ainda não vivenciei, de forma plena e em sua totalidade, a volta do amor, do sorriso e da flor, mas a fase da tristeza, felizmente, acabou, e isso já faz um bom tempo. Não vou dizer que, nesse período, não tive os meus amores. Estes não eram bem do tipo de mandar flores, mas me trouxeram o sorriso quase abobado de quem só vê flores e mais amores, e é isso o que importa.



A frase que costuma ser usada como consolo é verdadeira: “tudo na vida passa”. Existem aqueles que fazem piadinha dizendo que “tudo é passageiro, menos o motorista e o cobrador”. Há ainda outros que gostam de usar um complemento que eu acho muito do sem gracinha: “Tudo na vida passa, até a uva passa”. Lembro de uma variação sobre esse tema, que me tocou profundamente. Eu ainda estava descrente de um dia feliz, pois ainda sofria por Davi, embora já estivesse procurando o caminho a seguir. Tinha ido para um show do “Cordel do Fogo Encantado”, na Concha Acústica. Lá pelas tantas, antes de começar a “cantar pra saudade com seu vestido vermelho”, o vocalista performático anunciou na introdução da música: “Tudo passa, na vida, tudo passa, mas nem tudo que passa a gente esquece”.



Por mais tristes que sejam, algumas coisas, mesmo quando passam, não são nem devem ser esquecidas, porque são passagens importantes que compõem a nossa vida. Foi por isso que mais de um ano depois que terminei o namoro com Davi resolvi escrever sobre a nossa separação, sem a lente da dor e até com um certo toque de humor.

Na época em que namorávamos, Davi adorava a empregar a frase “o que é meu é seu”, inclusive porque, muitas vezes, se beneficiava com isso. Hoje somos amigos, e toda vez que ele ensaia algo que sugere essa idéia, como na ocasião em que me convenceu a lhe dar um anel de lua e estrela que eu adorava, eu respondo: “Aonde? Nem vem que o que é meu não é mais seu. Se contente com seu FGTN, fundo de garantia por tempo de namoro, isto é, os presentinhos que lhe dei quando éramos namorados”.

O amor acabou, mas restou a amizade. E tenho o raríssimo privilégio de poder afirmar que meu ex-namorado, ex-futuro-pai-de-meus-filhos, ex-amor-para-toda-vida, é atualmente meu bróder ― assim mesmo, bróder em vez de brother, na forma aportuguesada da gíria, com uma forte conotação de cumplicidade, que poucos irmãos de sangue chegam a ter entre si.

O anel de lua e estrela Davi jogou no mar. O amor que ele me tinha não era pouco, porém se acabou. O que eu tinha por ele se transformou em amizade, o que não deixa de ser uma outra forma de amor. O certo é que nós demos a meia volta, ou melhor, uma meia volta inteira por cima. E, na ciranda da vida, vamos todos cirandar, mesmo que a saudade no peito faça força para o tempo parar. Dias sim, dias não, sobrevivi sem nenhum arranhão. E, em meio às “pequenas porções de diversão”, vou lhes apresentar um texto que fala de um momento em que o tempo rodou num instante as voltas do meu coração. As rimas foram involuntárias; as referências a letras da nossa música popular, obviamente, foram de caso pensado. Vamos chamar o síndico, pois o próximo texto começa com Tim Maia.

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