22 de junho de 2008

"Acende a fogueira do meu coração"


"Olha pro céu, meu amor
Vê como ele está lindo
Olha praquele balão multicor
Como no céu vai sumindo
Foi numa noite, igual a esta
Que tu me deste o teu coração
O céu estava, assim em festa
Pois era noite de São João
Havia balões no ar
Xote, baião no salão
E no terreiro
O teu olhar, que incendiou
Meu coração"


A foto foi tirada, em Cachoeira, no São João de 1996. Sou fã de Luiz Gonzaga, e "Olha pro céu" é, para mim, a melhor música de São João de todos os tempos. No vídeo, estão reunidos os reis da sanfona, sob o comando do Rei do Baião.

Estrelas no céu, corações incendiados e muito forró, for all.

Viva São João, minha gente!

20 de junho de 2008

Recordações da Facom

Ontem, assisti à entrevista de Wagner Moura, no Jô. Ele protagonizará "Hamlet" e foi ao programa divulgar a peça. Além de interpretar o Príncipe da Dinamarca, Wagner também é produtor da montagem para o teatro.

Wagner estava acompanhado da esposa e fotógrafa Sandra Delgado, que, da platéia, filmava a entrevista e era obrigada a ficar na sua e engolir um possível ciúme (não da mesma proporção do que tinha Otelo, o mouro de Veneza) diante da mulherada aos gritos e assobios provocados pelo marido dela.

Wagner e Sandra foram meus contemporâneos no curso de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da Ufba (Facom). Wagner foi meu colega de sala, entramos no mesmo ano, mas ele se formou um tempo depois, justamente por conta dos compromissos com o teatro. Na época de faculdade, muito antes da fama, fui, algumas vezes, compor a pequena platéia que assistia às peças dele, encenadas em salas igualmente pequenas, na Escola de Teatro da Ufba. Nunca imaginaria que ele fosse se tornar uma celebridade como o é hoje, mas era fácil perceber que era um ator promissor, com um enorme potencial. E fico extremamente feliz por Wagner ter tido a oportunidade de demonstrar seu talento, para o Brasil, e para o mundo, e ser motivo de orgulho não só para aqueles que fizeram parte da turma de 94.1 da Facom.

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(Nessa fotografia, tive meu instante de Bebel, ao lado daquele que interpretou Olavo, em Paraíso Tropical. Essa galera era muito gente boa. Além de Wagner, na foto, estão: Mateus e Leco, à frente; ao meu lado, da esquerda para direita, Daniela, uma prima de Ana Rosa ou de Livonny - não me lembro do nome dela nem de quem era prima -, Livonny, Antônio Jorge, Emanuel e Ana Rosa. Era uma festa brega. Acho que aconteceu no primeiro semestre de 1995)

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Sandra Delgado entrou um semestre depois da nossa turma, e lembro que, desde o início do curso, muito antes de namorar com Wagner, ela já era uma promessa na área de fotografia e uma das pupilas queridas do professor Mamede, que ministrava essa disciplina, no segundo semestre.

Eu sempre gostei muito mais da área de texto e de pesquisa científica do que da parte de imagem, mas também tive um flerte com a fotografia, quando cursei, na mesma turma de Wagner, a disciplina de Mamede, que era optativa. Fiquei tão entusiasmada que comprava os químicos e o papel fotográfico, e passava as tardes no laboratório de fotografia, inclusive nas férias. A única coisa que não acertava fazer era colocar o filme na bobina, no breu total (nessa parte do processo, até a luz vermelha é apagada), pois não tinha habilidade manual e coordenação motora para isso. Achava incrível (parecia realmente efeito de mágica) ver a imagem se formando ao mergulhar o papel na bacia com ácido acético (esta etapa é chamada de banho interruptor. Em seguida vem o banho fixador, depois a lavagem em água corrente e, finalmente, o banho pré-secagem, com o Photofloo). Por isso, quando surgiu a fotografia digital, resisti um pouco a adotá-la, justamente pela perda desse desvelamento da imagem que fazia parte do processo de revelação da fotografia analógica e uma certa redução (uma vez que não há mais a espera, pois a imagem pode ser vista imediatamente, após ser captada, e os detalhes podem ser examinados por meio do zoom) do que podemos chamar de "efeito Blow Up", parafraseando um texto de Arlindo Machado, que fazia parte da bibliografia básica da disciplina de introdução à fotografia.

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Arlindo Machado, no livro "A ilusão especular", faz a seguinte referência ao filme de Antonioni:

"Levando a sério a anedota de Blow up, o fotógrafo protagonista Thomas, num relance de sua trajetória frenética e vazia pela swinging London dos anos 60, descobre por acaso entre as fotos de um par romântico a imagem de um cadáver misteriosamente inserido no cenário idílico e revelado pelas ampliações fotográficas. O filme de Michelangelo Antonioni, em linhas gerais, é o relato dessa descoberta espantosa, como se uma realidade insuspeitada pelos olhos negligentes do protagonista fosse de repente resgatada pela câmera, no limite da própria credibilidade do fotógrafo. À medida que Thomas ia ampliando cada vez mais seus negativos, toda uma dimensão invisível do cotidiano se impunha de forma surpreendente, revelando por detrás das formas familiares do mundo uma outra realidade que só a intervenção do aparato fotográfico pôde fazer aflorar".

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Mamede foi meu primeiro ídolo na faculdade (depois também fui fã de Elias - com este, a relação era de admiração e ódio, porque ele era bastante irônico, beirando o arrogante - e Monclar - não só por sua erudição, mas por ter aguçado minha percepção estética. Fora isso, o vi, uma vez, numa apresentação, tocando sax, e nunca me esquecerei do arranjo através do qual pude constatar o quanto é bonita a música "Dindi", de Tom Jobim). Não cheguei a fazer parte do grupo que participava das expedições fotográficas e de outros trabalhos extra-classe (como foi o caso de Sandra), mas ele me chamava de "the little best" (a ficha demorou a cair, ou seja, não entendi que Mamede estava me chamando de "a melhorzinha", quando ele se referiu a mim, dessa forma, pela primeira vez) por causa de minhas notas nas provas teóricas sobre textos de Dubois, Arlindo Machado, Roland Barthes, Faiga Ostrower e companhia.

Por falar em Dubois, me recordo agora de um seminário que apresentei sobre um livro dele, intitulado "O ato fotográfico", e que passei a chamar de "O ato pornográfico", por causa do seguinte trecho, que, na verdade, é uma citação de Roland Barthes:

"Para mim, o órgão do fotógrafo não é o olho (ele me aterroriza), é o dedo: o que está ligado ao disparador da objetiva, ao deslizar o metálico das placas... Adoro esses ruídos (e esse gesto) de maneira quase voluptuosa. [...] No temor do momento inelutável em que o indicador recurvado e rijo vai se apoiar no disparador (...), na brutalidade do golpe de polegar que faz o filme progredir de chapa em chapa, o que é bem sentido pela falange (...), acorrentando desesperadamente foto após foto, como nessa corrida sem cessar retida que faz com que, logo após ter tido prazer no amor, só se pense em voltar àquilo, já tenso com relação ao novo momento em que a plena carga mais uma vez estará em jogo..."

Obviamente, não tinha o talendo cênico de Wagner Moura, mas, durante o seminário, fiz questão de ler a citação de Barthes feita no texto de Dubois, com uma entonação caricaturalmente sensual, para brincar com o erotismo presente no trecho lido. Também não pude deixar de fazer referência ao novo título que demos ao texto, contrariando minhas colegas de equipe, que tinham me proíbido de fazê-lo. Poderia até perder as amigas e alguns pontos da nota, mas jamais perderia a piada.

Mamede também gostava das minhas fotografias, tanto que na exposição ao final da disciplina, das dez fotos exibidas (e não falo isso para me exibir), cinco ou seis foram minhas. E nas minhas incursões ao laboratório no período de férias, ampliei quatro dessas fotos, para guardar de lembrança. Entre minhas recordações desse período da faculdade, o seguinte fato também ficou gravado na memória: foi Wagner Moura, não sei se a idéia foi dele ou da equipe dele, quem defendeu que a exposição deveria ter como tema "Eu não sou cachorro não". Antes, ele e seus amigos também haviam apresentado "Meu mundo caiu", como sugestão. Mas, em vez de fotografarmos fracassados, humilhados, vítimas de dores de corno e afins (como sugeriam o tema que foi vetado e a música de Valdick Soriano, que inspirou a sugestão acatada. Não sei o que motivou a referência ao hit brega do cantor nem se algum desses meus colegas, ou talvez o próprio Wagner, estava passando por esse tipo de situação) ficou acertado que deveríamos fotografar cachorros de verdade, e não no sentido metafórico, pois isso seria mais exeqüível, já que teríamos de captar as imagens, nas redondezas da faculdade e durante o horário das aulas.



Mesmo com esse enfoque, ter de sair pela rua atrás de cachorros foi mais difícil do que esperávamos. Fora isso, ainda havia a responsabilidade de andar, pelos becos e vielas, do Canela e do Campo Grande, com as câmeras fotográficas da faculdade. Como essas não eram muitas, Mamede nos emprestava também a dele, uma super Nikon F-não sei quanto, aumentando ainda mais o nosso temor. Quando avistávamos um cachorro, tínhamos de ser agéis, para ajustar foco, velocidade e abertura do diafragma (eu fazia tudo meio na doida e intuitivamente; não sei como dava certo), e ao mesmo tempo cuidadosas (o adjetivo está no feminino, pois, na minha equipe, só havia mulheres, já que a maioria dos homens, que eram minoria na sala, faziam parte da equipe de Wagner) para não assustar (ou deixar com raiva) o animal.

Houve um dia em que resolvemos ir de carro a uma clínica veterinária que ficava no Vale do Canela, pois já tínhamos andado mais de uma hora sem encontrar nenhum cachorro. Uma foto que tirei de um Lulu da Pomerânia preso numa gaiola (será que é assim que chama? Jaula também não deve ser) foi incluída na exposição (Mamede a escolheu, porque consegui o efeito de desfocar a grade, em primeiro plano, e focar apenas o pobre cachorro atrás dela).

Aqueles que estavam na clínica naquele dia foram os únicos cachorros de pedigree que fotografamos, os demais eram vira-latas, com exceção de um coker spaniel que fotografei, na rua do Marista. Essa fotografia era uma das minhas preferidas (enquadrei o rosto do cachorro, que era preto, sobreposto a um pedaço da calça branca de sua dona. A calça era de um tecido mais fino e devia ter sido recém-passada, pois estava com o vinco bem definido), mas não entrou na exposição, pois o negativo estava arranhado.

Em outra ocasião, ouvimos latidos que vinham de dentro de uma casa que parecia estar abandonada. Invadimos a casa, que estava com o portão aberto, e, para nossa surpresa, encontramos uns filhotinhos de vira-lata lindos. Aí foi uma festa. Em meio a nossa euforia, fomos surpreendidas por uma mulher, mas esta, em vez de nos repreender pela invasão de propriedade, nos mostrou outros deles que estavam junto com a mãe (para nossa sorte, a cadela estava presa), numa garagem velha.

(Esse está com uma carinha tão tristinha, parece até que estava ouvindo a música de Valdick Soriano)


(Chega dar dó essa expressão très désolée do bichinho. Vai ver que é porque se encontrava longe da mãe, que estava presa na garagem, ou tímido, diante da nossa presença e sob o olhar das câmeras fotográficas. O que está ao fundo, meio desfocado, em segundo plano, apesar de sério, não está tão abatido como o irmão.)


(Vixe, mamãe!!! Essa foto, na moral, está tão gutchi - naquele tempo, eu tinha a mania ridícula de usar esse termo, parecendo uma retardada - que podia ser capa de caderno da Tilibra. Para mim, o ponto alto da fotografia é o focinho da cadela-mãe, no canto superior direito. Exemplificando o "efeito Blow Up", só fui notá-lo após a revelação e ampliação da foto)

Mas a minha melhor foto não foi tão espontânea quanto esta última. Tive de usar de um artifício, para obter a imagem desejada. Na época, eu não tinha carro e sempre levava, na bolsa, uma sombrinha marrom, com flores rosas e azuis, dessas made in Taiwan, que são vendidas em camelô.

A cadela-modelo tomava seu saudável sol matinal de 10h, perto do Caboclo, no Campo Grande. Nada nem ninguém a abalava em sua pose de vira-lata. Prova de que altivez não tem nada a ver com pedigree. Aqueles que vivem humilhados e desprezados, por amar sendo enganados, deveriam mirar-se na postura dela. Muito mais nobre do quer ficar se lamentando e cantando por aí: "Eu não sou cachorro não".