12 de abril de 2008

Dicas para quem malha na rua: como manter a auto-estima e a disciplina

SE VOCÊ ACHAR QUE O TEXTO SEGUINTE É MUITO LONGO, PULE A PRIMEIRA PARTE E DESÇA O CURSOR ATÉ O PONTO EM QUE SE INICIA O QUE REALMENTE INTERESSA: AS SEIS DICAS VALIOSAS PARA QUEM MALHA NA RUA.

Esse texto talvez se enquadre na categoria prestação de serviços. Já que elenca uma série de dicas, tem parentesco com o gênero guia/manual. Ao mesmo tempo, faz fronteira também com o gênero auto-ajuda, pois reúne conselhos, fundamentados na minha experiência pessoal, que podem perfeitamente ser adotados pelas leitoras fêmeas e, quem sabe até, pelos leitores machos, com as devidas adaptações, uma vez que predomina uma visão feminina do assunto em questão.

Sempre malhei num ambiente criado para tal finalidade e com acompanhamento de um (ou até mais de um) profissional. Numa época de vacas gordas (me refiro aqui ao aspecto financeiro), e justamente para não me tornar uma delas, cheguei até a recorrer aos serviços de um personal trainer, para poder entrar num vestido que eu já comprei bem justo, na esperança e sob a promessa de emagrecer. Ao contrário do que havia planejado, um ano depois de tê-lo inaugurado num casamento, eu me via na obrigação de afinar a silhueta se quisesse usá-lo novamente no casamento de outra amiga. Gostei tanto do trabalho do personal e dos resultados obtidos que, em vez das dez sessões que tinha acertado inicialmente, acabei fazendo aula com ele durante mais de um ano. Trata-se de um profissional muito sério e extremamente competente, mas, infelizmente, quando a grana apertou um pouco, foi o primeiro a dançar, como medida do plano emergencial de redução de custos.

Antes do Personnalité ― como sou cliente do Itaú e recebo dezenas de correspondências, com informes, promoções, extratos etc., minha mãe deu esse apelido ao meu treinador ―, já tinha feito de um tudo em matéria de atividade física. Até os 13 anos, freqüentava as aulas de educação física no colégio, que não eram muito estimulantes. Desde a infância, e mais ainda na adolescência, minha autocrítica era muito forte (na verdade, eu só gostava das coisas em que me destacava), e por isso não dei continuidade às aulas de dança moderna. Uma professora de dança disse para minha mãe que até minha “maria-mole” (devia ser algum exercício de aquecimento) era dura, portanto, era mais recomendável me deixar na dança moderna mesmo (acho que hoje chamam de dança contemporânea) do que me colocar no balé.

Nos esportes coletivos, eu era a mediocridade em pessoa. Desisti do volley, na primeira aula, no exato momento em que dei o primeiro saque: além de morrer na rede, este saiu completamente torto e sem rumo. Hoje penso e me comporto de forma totalmente diferente, mas, na minha megalomania adolescente, como eu tinha consciência de que nunca chegaria a ser autora de uma jornada no teto do ginásio de esportes (“jornada nas estrelas”, obviamente, não passava pela minha cabeça nem em sonho; apesar da megalomania, eu tinha discernimento crítico), preferi me poupar do vexame que o processo de aprendizado implicaria.

As aulas de educação física, mesmo com toda a sua mesmice, também tinham seus atrativos: um menino da sétima E (eu era da C), que eu paquerava, fazia aula no mesmo horário que eu. Mas, como tantas outras daquele tempo, a paquera ficou apenas no nível platônico. Nunca tive a oportunidade de fazer com ele um daqueles alongamentos que se faz em dupla, embora sempre colocasse meu colchonete não muito distante do dele.

Na oitava série, antes de completar 14 anos, me matriculei numa academia, e aquilo para mim foi a glória, afinal, até então, o fato de não fazer balé como minhas amigas, por pouco não virou um trauma e era motivo de inveja. Como as coreografias de aeróbica eram bem mecânicas, meu nível de coordenação motora era suficiente para acompanhá-las. No entanto, havia uma condição básica: eu tinha de ficar colada no espelho, ninguém podia ficar na minha frente; se eu fizesse a aula do meio para o fundo da sala, ficava feito barata tonta. Por isso, escolhia sempre os horários e as turmas das coroas, para não ter de enfrentar a concorrência das patricinhas marombeiras exibidas.

Eu só gostava dos exercícios aeróbicos e localizados; até hoje, nunca fiz musculação. Passei anos malhando em academia, desde o tempo em que “Sweet Dreams” era a música da vez e se usava fita cassete em vez de CD. Ainda cheguei a pegar a fase do início das aulas de Spinning e Body Combat. Na segunda modalidade, eu me divertia horrores com os golpes de luta que inspiravam os passos da coreografia, os quais eram sincronizados com efeitos sonoros que simulavam os ruídos de socos, chutes e afins. E sempre ria do ridículo alheio, ao ver as caras de mau que algumas criaturas faziam. As aulas de spinning também eram ótimas, mas sempre me rendiam ligeiras lesões no joelho.

Eu tinha uma colega de faculdade que era amiga do povo da Escola de Dança da Ufba e me apresentou à técnica de Pilates, que hoje é super conhecida, mas, em 1996, eram pouquíssimas pessoas que a ela se dedicavam. Foi amor à primeira contração de abdômen. Digo isso, porque só descobri como realmente se contrai o abdômen ― num movimento que chamam de “sorriso” ―, quando comecei a fazer Pilates. Aliás, é bem interessante o método didático de dar nomes metafóricos aos exercícios, para que, com a visualização mental de uma imagem, se adquira a consciência corporal necessária para a sua correta realização. E assim há o “sorriso” (para indicar a contração, principalmente, da região infra-abdominal), o “beijinho” (para indicar a contração do períneo e dos pequenos glúteos), a “asa” (para indicar o movimento de abaixar as escápulas), e por aí vai. Existem outros que têm um nome fantasia como forma de estímulo, por exemplo: um abdominal chamado “eu me amo”; um exercício de glúteo denominado “biquíni”; e outro que, além da região glútea, trabalha adutores e abdutores, apelidado de “Carla Perez”. É claro que algumas dessas denominações são bem regionais; em outros lugares do país, devem ter outros nomes, quando não são usados os nomes originais em inglês. Conheci um professor de Pilates, que é dono de uma academia no Rio de Janeiro, e, numa conversa, comentei do “beijinho”. Pela cara que ele fez, no mínimo, achou que aquilo era uma indireta e que eu estava dando em cima dele, o que também tinha lá seu fundo de verdade.

Fiz Pilates até começar as aulas com o Personnalité. Mas, ao longo desse longo período de tempo ― mais de dez anos ―, sempre procurei fazer uma atividade complementar, até como forma de quebrar a rotina. Adorava a natação, mas, quando comecei a notar que meus ombros estavam ficando largos demais e meus braços muito fortes, parei, porque acho que esses traços não combinam com a anatomia feminina. Aí veio a “fase dança”.

Com a idade e a maturidade decorrente da experiência, a gente acaba perdendo o medo do ridículo, principalmente se pagamos as nossas contas. Foi com essa visão que inventei de fazer dança afro. Como na minha turma havia uma gringa e duas coroas bem mais desengonçadas do que eu, diante delas, me achava a dançarina, apesar de não conseguir superar a dependência do espelho e realizar direito determinados movimentos de ombro, abrindo e fechando o peitoral. O ijexá e as coreografias dos orixás femininos, como Oxum e Iemanjá, eram até fáceis de dançar, mas, quando entravam os passos rápidos dos orixás guerreiros, como Ogum e Oxossi, aí o bicho pegava, e não tinha santo que fizesse baixar a freqüência cardíaca. As aulas tinham até música ao vivo, atabaques e agogôs, mas o professor saiu da escola de dança na Pituba e foi dar aula no Pelourinho, em uns horários de desocupado (esquema 10h da manhã, 4h da tarde), e eu tive de partir para outra coisa.

Em uma de minhas incursões e experimentações no campo da dança, fiz um curso de três dias, de Hip Hop, com um dançarino chamado Fly. Só fui saber que ele era coreógrafo de Xuxa e do programa de Luciano Huck depois que havia me matriculado. Tinha visto o cartaz no lugar onde eu fazia Pilates, e as aulas seriam numa escola de Jazz, cuja dona eu conhecia por já ter feito com ela aulas de Pilates, anos antes, numa outra academia. No momento da matrícula, fui informada de que havia turmas de iniciantes, alunos intermediários e avançados. Optei pela de iniciantes. A atendente ainda perguntou se eu não queria mesmo ficar na de alunos intermediários, mas eu interpretei aquilo como se ela estivesse achando que eu estava subestimando meu potencial.

Quando dei de cara com a turma, entendi que a observação dela era, na verdade, uma advertência. A aluna mais velha da sala tinha doze anos e a minha altura, as demais não batiam nem no meu ombro e tinham uma média de nove anos de idade, enquanto eu tinha 28. O professor era gente boa e engraçadíssimo, e fez de tudo para que eu me sentisse integrada. E a parte da aula de que eu mais gostava eram as maluquices e palhaçadas que ele nos obrigava a fazer, com o objetivo de diminuir a auto-censura no momento de aprender a coreografia. Quando ele começava a ensinar os passos de Hip Hop, aí eu tinha de me virar nos 30. E nem podia ficar colada no espelho, para não encobrir as crianças de nove anos. O pior é que acabei virando a mascote da turma, e o tempo todo era Crixxxxx (ele carregava no sotaque carioca) pra lá, Crixxx pra cá, Crixxx faz a contagem, vamos lá, Crixxx, vamos ver se todo mundo entendeu, Crixxx faz primeiro...

O curso foi de sexta a domingo. No sábado, fiz um reggae pesado, cheguei em casa às 4h da madrugada, e a aula de Hip Hop começaria às 8h, no domingo, e eu não poderia faltar. No final da manhã, dançaríamos a coreografia completa. Para meu desespero, vários pais e mães apareceram para assistir a suas filhas, e cada aluna teria de dançar a coreografia sozinha. No grupo, quando eu esquecia os passos, recorria a alguma menininha esperta que estivesse no meu campo de visão e imitava tudo, obviamente com um inevitável e quase imperceptível delay. Mas ali eu teria de dançar sozinha, completely alone, e sob o olhar de toda aquela platéia. A primeira a dançar a coreografia foi a mais nova da turma, que era 20 anos mais nova do que eu. E a segunda, fui euzinha minha pessoa própria. Tive alguns lapsos, mas acho que até consegui disfarçá-los, e, quando concluí a minha dança, os aplausos foram calorosos, muito provavelmente devido à minha coragem e cara de pau. Os comentários de algumas mães e das funcionárias da escola confirmavam a minha impressão. Vou lhe dizer: foi um mico gigante, King Kong vitaminado com Biotônico Fontoura, mas valeu a pena, até porque de pequena eu não tinha nem a alma nem a idade.

Depois daquela experiência, eu poderia enfrentar qualquer desafio e acabei me descobrindo uma grande bailarina no futebol. Isso por causa dos meus saltitos ao dominar a bola e por jogar com a coluna ereta, os braços erguidos num ângulo de 45 graus em relação ao tronco e a palma da mão aberta, na altura dos quadris. É questão de aerodinâmica: esse é o modo como meu corpitcho de avião (no meu caso, um avião da FAB ― Força Aérea Brasileira ― ; um dia ainda hei de chegar a Airbus, quiçá, a Concorde) mantém o equilíbrio. Todo mundo dá risada do meu estilo e da minha estética em quadra, e não há quem não reclame da forma como uso os tais bracinhos na marcação (nesse aspecto, me inspiro em Dunga quando era jogador da seleção brasileira. Pelo menos, no corpo a corpo, tenho a raça de Emmerson; por isso, além da chuteira, uso caneleira e tensor para proteger os joelhos e tornozelos). Jogo de ala e, na corrida, não faço feio; do resto, não posso falar o mesmo. No que se refere à garra ao jogar na minha lateral e à diferença de idade em relação à média da equipe, me igualo a Cafu. Fora isso, sou aquela jogadora que incentiva as colegas e levanta o moral do time. E meus gols são sempre os mais comemorados, justamente pelo princípio da raridade e porque sempre invento uma dancinha para honrar meu apelido de bailarina. Depois que comecei o Doutorado, ainda não arranjei tempo para voltar a jogar bola. E isso não é desculpa. A galera com que costumava jogar é tão fominha que as partidas são sempre intermináveis.














Quase ia me esquecendo de contar da "fase zen" da época em que me dedicava à Yoga. Quer dizer, nem era tão zen assim, pois não me tornei “fala mansa” (é como eu classifico aquelas pessoas que freqüentam restaurante vegetariano e falam devagar e baixinho, mesmo quando não estão numa galeria de arte ou num concerto de música erudita) e mal conseguia decorar os mantras que eram cantados antes de começar os exercícios e ao final da aula; apenas desfrutava do bem estar e do controle emocional que a prática proporcionava. Como eu fazia a modalidade ashtanga (a mesma que Madonna faz), suava mais do que no baba. No início, levei mais de um mês para perder o medo de fazer o shirshasana (posição equivalente a plantar bananeira) e até hoje não consigo fazer essa postura (esse é o termo usado na Yoga) sem o auxílio da parede. Lembro bem do dia em que tomei coragem e finalmente decidi que estava preparada para ficar de cabeça para baixo. A professora contou para a turma uma passagem que leu no livro de Nuno Cobra, treinador físico de Ayrton Senna, que dizia que este só deslanchou na sua carreira de piloto de Fórmula 1, após ter conseguido dar um salto mortal. O comentário da professora, pelo menos em mim, surtiu o efeito por ela desejado.

A partir desse meu amplo e diversificado histórico, vocês agora têm condições de imaginar o quanto tem sido difícil para mim enfrentar a solidão e manter a disciplina de malhar por conta própria na rua. Deixei de fazer as aulas com o Personnalité ao meu lado, mas continuo sob o acompanhamento dele, embora este se dê de forma virtual. Explico: o Personnalité toda semana me envia por e-mail uma planilha, prescrevendo os exercícios que tenho de fazer a cada dia, e cobra bem mais barato por esse serviço. Obviamente, não é a mesma coisa, mas já garante que eu faça os exercícios de modo eficiente, sem moleza ou exagero. É claro que ter o papelzinho ali dizendo o que tenho de fazer e como devo fazer (freqüência cardíaca mínima e máxima durante o treino, tempo de corrida, intervalos de descanso, séries de abdominais, exercícios de braço, agachamentos etc.), além de ter a obrigação de dar um retorno do que fiz para o Personnalité (até para que ele possa gradualmente aumentar o nível de dificuldade; afinal, sem evolução, não há solução), já funciona com uma cobrança que me ajuda a cumprir o treinamento físico conforme o que foi prescrito. Ainda assim, tive de desenvolver todo um planejamento estratégico para manter a disciplina e obter o ânimo necessário para fazer minhas atividades físicas de forma eficaz e prazerosa. E é isso o que pretendo compartilhar com vocês. Sigam os meus passos rumo ao um estilo de vida saudável e não se arrependerão.

SEIS DICAS VALIOSAS PARA QUEM MALHA NA RUA

1) Tenha um ídolo como referência e visualize seus objetivos

Nem tive de ler “O Segredo” para chegar à conclusão de que visualizar onde você quer chegar é fundamental para chegar lá. Essa frase foi de uma profundidade que Deus me perdoe, mas é preciso considerar que foi com frases como essa que “O Segredo” deixou de sê-lo e foi propagado aos quatro ventos, se tornando um best-seller no mundo inteiro. O meu segredinho deve ser utilizado particularmente nos dias em que por conta do tempo (tanto no sentido cronológico como climático) não dá para malhar na rua. O que faço eu quando isso acontece?

Como tenho uma esteira em casa, faço aquela caminhada sem sair do lugar. A dica para não cair no tédio profundo e desistir de seguir em frente (embora sem ir a lugar nenhum) é encontrar o ossinho do cachorro, a cenourinha do coelho e a sardinha do golfinho do Sea World. Parece viagem, mas ainda não endoidei por completo. Quem entende de behavourismo sabe do que estou falando. O esquema é simples (e por isso muitas vezes foi empregado de forma simplista): Estímulo-Resposta.

No meu caso, basta usar um DVD como estímulo enquanto me exercito na esteira. Coloco o DVD de Ivete e fico imaginando que com aquele exercício ficarei com uns pernões de abalar, sacudir, balançar o Maracanã (uma vez que a Fonte Nova, além de ser menor, depois de já ter sacudido, está totalmente abalada). Ou então assisto a um DVD de Shakira y me quedo piensando que voy a tener una barriga así como la tiene ella (ojos negros ya los tengo). Uma terceira opção é um DVD de Madonna. Esse me faz pensar que, quando eu chegar na idade dela, estarei shyny and new like a virgin.



Se você não tiver uma esteira em casa, coloque os DVDs e fique imitando as coreografias das divas da música, pois isso já queima umas calorias. Se não tiver DVD, aí, minha amiga, use a imaginação que ela tem poder. Esse é o segredo.

2) Chame uma amiga para malhar com você

Malhar com uma amiga é sempre bom, não só pela companhia. Por maior que seja a amizade, o espírito de competitividade é inevitável, isso é da natureza do ser humano, da ser humana, principalmente. Quando você, durante a corrida, já está botando os bofes para fora e avista a sua amiga leve e fagueira correndo na sua frente, vai tirar de dentro de si uma energia que nem sabia que ainda tinha, para concluir todo o percurso. “Se ela pode, eu posso” é o que você pensa, mesmo se não estiver podendo. E se por acaso ela também estiver na mesma situação, com os bofes para fora, e resolver parar, aí seu sentimento de frustração por não estar com o almejado preparo físico torna-se bem menor. E se isso lhe trouxer satisfação, você ainda pode dizer para ela: “Amiga, eu até agüentaria correr mais uns 15 minutos, mas parei para lhe fazer companhia”.

Só não vale esquecer a malhação e aproveitar que a amiga está ali, para fofocar. A regra é clara: cada uma corre com o seu mp3 no ouvido, e a conversa fica para a hora do alongamento final. Se a fofoca estiver acumulada, tomar uma água de côco depois da corrida, além de hidratar, é uma maneira de colocar o papo em dia. Exercício que queima calorias é aquele em que o esforço é tão grande a ponto de a pessoa não conseguir conversar. Isso é unanimidade entre os preparadores físicos.

3) O repertório musical do seu mp3 pode ser um ótimo aliado

Eu utilizo a seguinte seqüência musical para cada tipo de treino e etapa da malhação.

3.1) Para o momento do aquecimento:

É bom já começar com uma música animadinha e que faça com que você se sinta poderosa. O funk do MC Marcinho é excelente para esse momento inicial. A idéia é que, mesmo suada e de tênis, você se sinta glamourosa como uma rainha. Só assim você terá o ânimo necessário para adquirir um corpo de sereia que lhe possibilitará fazer parte do grupo de “mulheres saradas, lindas, deslumbrantes”. Bem excitantes serão os olhares masculinos quando você estiver em condições de empinar o popozão e agitar o salão.

3.2) Para a etapa da corrida:

Ficar sonhando e se achando é condição necessária, mas não suficiente. É preciso descer até o chão e encarar a realidade. Se a corrida for de resistência (aquela em que você mantém o ritmo e fica mais tempo correndo), vale a pena atravessar o túnel do tempo e colocar uma música como “Eye of Tiger” (da trilha sonora de Rocky não lembro o número). Na parte do “tam! tam, tam, tam! tam, tam, taaaam...”, você se enche de gás e dá a partida. Quando entrar a letra ― “risin' up, back on the street, did my time, took my chances” ―, aí é só manter um ritmo constante até a reta de chegada. Ao longo de todo o percurso, o pensamento deve ser um só: “I’m back on my feet, just a woman and her will to survive”.

Mas, se o treino for de velocidade, para ter pique, é necessário um tratamento de choque. Nesse caso, a trilha sonora de "Tropa de Elite" é o que há de melhor. Você tem de pensar que está num treinamento do Bope e que não pode desistir. É infalível! Você aperta o play, e o tiro de largada será a frase: “Agora o bicho vai pegar!”. Aí você sai correndo a toda velocidade e vai passando pelas pessoas como se estivesse vivenciando o que diz a música: “Eu tô! Que eu tô chegando, tô chegando e é de bicho, pode parar com essa marra, pode parando tudo isso...”. Só quando não tiver mais fôlego e mais perna, você para, descansa de um a dois minutos e começa tudo de novo. Bastam cinco séries como essa, e você atinge o nível de “aspira”. Para fazer parte da Tropa de Elite, é preciso muito mais do que isso.

3.3) Para o momento de voltar à calma, ao final do treino:

Se você fez tudo direitinho, chegou o momento de gozar do sentimento de meta cumprida. Enquanto você anda mais uns 10 minutos para recuperar o fôlego ― não é recomendável parar de vez, a volta à calma tem de ser progressiva ―, esse é o instante ideal para ouvir algo que levante a sua auto-estima, mesmo porque você merece que ela esteja alta depois de tanto esforço. A sensação de prazer e bem estar provocada pela presença em seu organismo das serotoninas produzidas durante a atividade física pode ser acentuada se você escolher a música certa. Você pode até não gostar do pagodão, mas garanto, por experiência própria, que faz um bem enorme para o ego ouvir Márcio Victor, do Psirico, cantando “ela é toda boa, toda boa, toda boa, ai, ai, ela é toda boa”. Para potencializar ainda mais esse efeito, você internaliza essa música no íntimo do seu ser, repetindo o refrão na primeira pessoa do singular. Se, depois disso, você, ao se aproximar do seu carro e ver seu reflexo no vidro, não se achar “toda boa”, aí, minha filha, vou ter de lhe dizer: você é problemática, você é problemática.

4) Malhar, na rua, principalmente, levanta a auto-estima

Bote uma roupa justinha, faça um rabo de cavalo e passe um batom antes de correr. Se você for ajeitadinha como eu, tenha certeza de que pelo menos um brau vai falar “Que sssssaúde!”, quando você passar por ele andando ou correndo. Basta um “gostosa”, independentemente da procedência, para você voltar para casa mais feliz do que saiu. E brau aqui em Salvador, na Barra, principalmente, tem uma criatividade que é brincadeira. Se um gatinho vier no sentido contrário, correndo também, e a luz dos olhos dele cruzar com os olhos seus, e ele, com o suor escorrendo sobre o corpo, der aquele sorrisinho, o dia, minha querida, já está ganho, mesmo se você não diminuir uma grama sequer depois da malhação.

5) Paquerar ajuda na atividade cardiovascular

A paquera faz bem ao coração não só nos casos como o que acabei de descrever. Os benefícios cardiovasculares estão mais do que comprovados. Se onde você malha tem sempre um gatinho ou outro malhando também, a lei natural é que você tente fazer bonito, e assim seu treino se torna mais proveitoso. Tenho um exemplo que pode ser usado como dado empírico para sustentar a teoria aqui defendida. Eu já estava na etapa de voltar à calma depois da corrida, tinha acabado de passar pelo Farol da Barra e achei melhor deixar para ouvir “Toda Boa” só depois de passar o Barravento, no momento de iniciar a subida do Cristo. Vinha andando, quando, de repente, me deparei com umas costas nuas, com o Polar (medidor de freqüência cardíaca) em volta delas, lindas, bronzeadas e suadas, que passaram por mim. Como o dono daquelas costas corria na mesma direção que eu andava, seria impossível verificar se o rosto dele correspondia à beleza de sua grande dorsal, dos músculos redondos maior e menor, rombóides, paravertebrais, trapézio e porção posterior do deltóide. Se eu estivesse no início da minha malhação, poderia aguardar a oportunidade de vê-lo novamente (é comum isso acontecer) quando ele estivesse fazendo o caminho de volta, aí ele viria na direção contrária, e assim eu poderia ver seu rosto e apreciar o peitoral. Mas, como eu já estava no fim das minhas atividades físicas naquele dia, não havia outra alternativa; a única maneira de ver a cara do rapaz seria dar um pique, ultrapassá-lo, ganhar uma distância dele, para que, quando ele passasse mais uma vez por mim, eu pudesse fazer a minha análise. Então, coloquei de novo o tema de "Tropa de Elite" no mp3 e dei o sprint. Cem metros depois, fui reduzindo a velocidade, e meu Polar indicava a freqüência de 180 bpm. Tirei os fones do ouvido, para poder escutar os passos dele, quando estivesse se aproximando. Não demorou muito, olhei para trás e pude constatar que o esforço tinha valido a pena: a página principal era tão boa quanto o verso.

6) Eleja algo como recompensa

Se você se comportou bem ao longo da semana, fez todas as tarefas estabelecidas e suou, de verdade, a camisa, merece uma recompensa. A minha eu já escolhi. Na sexta-feira, depois do corridão, tomo um banho de mar, ao cair da tarde, no Porto da Barra. Este com direito à champanhe. Afinal, toda conquista merece ser brindada!















8 de abril de 2008

A Caçadora de Piiiiiiii.....

Até pelo fato de ter formação em Jornalismo, ficção não é a minha praia; as histórias sobre as quais escrevo têm como fonte a realidade. Mas, nesse texto especificamente, farei uma tentativa de enveredar-me por esse campo até então inexplorado por mim: criarei uma personagem que não tem uma existência física, não corresponde a ninguém que conheço nem a ninguém de quem ouvi falar, muito menos, a minhas próprias experiências. Trata-se de um ser que pertence ao universo imaginário. No entanto, considerando que a criação literária, segundo a tradição aristotélica, humanista, clássica, realista, naturalista e mesmo marxista (aprendi isso no Doutorado em Letras. Aprendi também que a tradição moderna e a teoria literária se opõem a essa visão), tem por finalidade representar a realidade, utilizando para isso o princípio da verossimilhança, as experiências vividas por tal personagem não diferem muito de outras de que tomei conhecimento em rodas de amigas em diversas ocasiões.

Homens, não se enganem, mulher quando se junta solta o verbo (este sempre vem na companhia de pronomes, advérbios e, principalmente, substantivos devidamente qualificados por adjetivos), mesmo se o assunto em questão for da esfera mais íntima e privada de todas. Discrição é uma palavra que não consta do dicionário delas; sigilo, tampouco. Tudo se comenta com uma riqueza de detalhes surpreendente, e, muitas vezes, a depender do talento cênico da narradora, estes também vêm acompanhados de toda uma encenação que os torna ainda mais expressivos. Vale dizer que esse nível de detalhamento é diretamente proporcional ao grau de amizade das interlocutoras.

Foi numa dessas conversas entre amigas, num banho de mar ao cair da tarde, no Porto da Barra, que surgiu a inspiração para a criação da personagem. Éramos seis, e três das presentes trocavam idéias sobre o tema “piquirita” (mais adiante vocês entenderão do que se trata), justamente porque uma delas passou por uma experiência desse tipo, falou para as demais na ocasião, e uma entre essas “demais” tinha recentemente vivido, tempos depois, a mesma experiência com o mesmo objeto de interesse, confirmando a opinião da primeira, embora identificando, no relato feito por esta, um leve exagero, digamos assim, de ordem de grandeza, quer dizer, de pequeneza.

Com perdão da expressão altamente vulgar, “mudando de pau pra cacete”, o tópico de discussão durante o banho de mar passou a ser a programação de sábado. Em meio à repentina mudança de assunto, alguém lembrou de Etezinha, que é assim chamada por viver uma realidade tão diferente que parece ser de outro planeta. Etezinha não é crente, mas só conheceu no sentido bíblico um único homem, o qual ainda era praticamente um menino quando eles começaram a namorar. Ela mal tinha concluído o primeiro ciclo do ensino fundamental quando deu seu primeiro beijo, e só deu pela primeira vez (ou seja, perdeu a virgindade), quando já estava em idade de concluir a faculdade.

Eles namoraram durante mais de quinze anos e nunca viajaram sozinhos, e, o que é pior, nunca passaram uma noite inteira juntos, isto é, um não sabe como é a cara do outro ao acordar de manhã, nunca presenciaram o início de um novo dia dividindo a mesma cama, uma só vez sequer, mesmo depois da tardia iniciação sexual.

Pelo menos, Etezinha tem um ponto em comum com suas amigas terráqueas do século XXI (as do século XIX tinham um comportamento mais parecido com o dela; isso, antes do casamento): não é mais virgem.

Mica Leoa Dourada (poderia tê-la chamado de Ararinha Azul, mas sua pelagem se aproxima mais da do referido mamífero), aqui desse modo identificada, por ser um raríssimo exemplar de uma espécie da natureza humana em extinção, há muito já ultrapassou a casa dos 30, mas acredita-se que ela permaneça donzela invicta e também convicta, ainda que não explicitamente. É como se Mica vivesse num mundo passado como revelam suas roupas e gírias. “Massa real”, para os padrões dela, é expressão da moda. Se para ela, telefonar para um pretendente, retornando uma ligação dele, é coisa de mulher fácil, imagine o resto!

Devido a este tipo de observação que ela costuma fazer e como até hoje nunca ninguém a viu com um namorado, embora ela já tenha se referido a um com o qual teve um relacionamento de não muito mais do que um mês, especula-se sobre sua virgindade. Na verdade, se trata muito mais de uma questão de dedução do que de especulação. E toda vez que uma “bocuda” e abelhuda entre suas amigas tenta perguntar algo sobre sua vida íntima, Mica diz, de forma curta e grossa: “Não é da sua conta”.

Encerrada essa enorme contextualização sobre a pessoa de Etezinha e sua comparação com uma outra criatura rara na superfície da Terra, voltemos ao ponto da conversa em que o nome dela foi mencionado durante o falado banho de mar no Porto da Barra. Alguém colocou em pauta a programação noturna de sábado. Outra pessoa perguntou se haviam ligado para Etezinha. E uma terceira disse que ela tinha dito que não sairia no fim de semana, pois pretendia terminar a leitura de “O caçador de pipas”. Foi aí que uma delas ― vê-se que é bastante espirituosa ― comentou: “Ela deveria ler era a Caçadora de Picas, isso sim, para aprender o bom da vida”. Então pensei: que se crie então uma personagem, a Caçadora de Picas. E assim se fez.

Fico até meio envergonhada de falar desses assuntos num espaço que, embora seja informal, não é a mesma coisa que um bate papo entre amigas. Estou galáxias distantes de ser uma Etezinha da vida, mas ainda assim sou uma “moça” de família e tenho uma reputação a zelar. Meus familiares sabem da existência desse blog, não sei se o lêem, mas espero que sim. Então, não fica bem andar por aqui contando as aventuras da Caçadora de Picas. Mas é algo que simplesmente escapa do meu livre arbítrio, sinto-me como uma “eleita” para realizar tal tarefa. Sou apenas uma intermediária de uma vontade maior.

Dito isso, trato então de lhes apresentar Vênus, a Caçadora de Picas, do modo como ela se apresentou à minha imaginação. Se Vênus vivesse no Afeganistão, provavelmente, nem estaria mais viva, pois, dificilmente, a poupariam das chibatadas e de outros castigos maiores. Vênus nasceu em uma metrópole do Ocidente, é uma mulher moderna, urbana, independente financeira e emocionalmente. Deve ter por volta de 35 anos ou até mais, apesar de aparentar bem menos idade. Não é branca nem negra, não é alta nem baixa, não é gorda nem magra, mas está muito longe de ser uma mulher mediana. Ela sabe bem o que quer e é suficientemente ardilosa para obter o que deseja.

Feita essa breve descrição da personagem, contarei duas de suas célebres aventuras, embora estas não façam parte daquelas que foram bem sucedidas. Aparentemente, tinham todos os elementos favoráveis ao sucesso, mas não foi isso o que aconteceu. A primeira presa da Caçadora de Picas foi um moreno alto, bonito e sensual, que, ao contrário do que era esperado, não foi a solução para os seus problemas. O rapaz em questão era cinco anos mais novo do que ela, tinha o surf como hobby (ou talvez até como principal atividade), o que eram bons indícios de virilidade e vigor físico, e, além de tudo, era seu vizinho, apenas um lance de escada os separavam, e os botões do elevador correspondentes a seus apartamentos ficavam juntinhos. Os pais dele viajavam constantemente, o que facilitaria, e muito, as caçadas, as quais poderiam até se tornar um tanto freqüentes, não fosse por um pequeno detalhe, um detalhe literalmente pequeno.

O fato de o rapaz ser meio cabeça oca, meio bobinho e meninão foi, em princípio, um fator limitante para uma maior aproximação. Mas, quando, finalmente, Vênus resolveu se render às investidas do vizinho, obviamente, não era na cabeça do moço, quero dizer, no intelecto, que ela estava interessada. A selva não estava para caça, e ela não podia se dar ao luxo de dispensar um homão daquele. Se ele tinha mais de um metro e oitenta, o resto deveria obedecer à lei da proporção. Doce ilusão.

Um dia antes, na primeira vez em que eles ficaram numa festinha na casa dela, o beijo tinha passado no controle de qualidade, e os amassos, igualmente; fora o papo, este quase inexistente, Vênus não tinha do que se queixar. Nessa ocasião, as amigas ficaram para dormir na casa dela, então ela apenas preparou o terreno antes de dar o bote. Ela nem teve o trabalho de montar a armadilha, pois o rapaz mordeu a isca direitinho e no dia seguinte a convidou para uma sessão de vinho e DVD no andar de cima. Depois da segunda taça de vinho, o DVD ficou para segundo plano. Pelas preliminares, tudo indicava que os “finalmentes” seriam bons. Doce ilusão, parte II.

Vênus agora sabe que certo é o ditado que diz que “quando a esmola é grande, o santo desconfia”. No caso do vizinho, as habilidades manuais e a competência lingüística, digamos desta forma, eram um meio de compensar a falta de outras qualidades de maior volume e o não preenchimento de um certo vazio, se é que vocês me entendem. Era o caso de Vênus denunciar ao Procom ou ao Conar, por propaganda enganosa. Qualquer um lhe daria ganho de causa.

Ao tomar conhecimento da história, uma das confidentes de Vênus apelidou o tal rapaz de Piquirita; não precisa dizer por que. Vênus nem teve coragem de dar uma outra chance ao vizinho, afinal o problema dele não era algo passível de solução. Então, o que não tem remédio, remediado está. Desde então, eles até já trocaram uns beijinhos ocasionais, mas Vênus nunca pisou os pés no apartamento de cima novamente nem aceitou as propostas de se encontrarem na escada, que ele lhe fez inúmeras vezes. No dia do aniversário dela, ele mandou a seguinte mensagem via celular: “Parabéns! Estou viajando. Quando chegar, marcamos para eu lhe dar aquele seu presente”. Quando ela leu a mensagem de Piquirita para a amiga, esta fez o seguinte comentário: “Presente? Só se for uma lembrancinha”.

Depois dessa aventura frustrante, Vênus quis se cercar de todos os cuidados para não ter de enfrentar uma nova decepção. Resolveu procurar alguém especializado no assunto e que entendesse daquilo de que ela tanto gostava. A segunda presa de Vênus foi escolhida a dedo: era um médico urologista. Se ele tinha tanto conhecimento sobre a área de interesse dela, deveria saber manejar bem aquilo em que se especializara. Ledo engano. Nesse caso, o problema não foi dimensional; as variáveis intensidade e criatividade é que estavam abaixo da média. Desde o início do relacionamento (este não chegou a ser namoro, porque o cara também era enrolado e ainda estava sob o efeito de uma dor de cotovelo), ela notou que o rapaz era meio lerdo; saíram várias vezes, mas não rolava nem uma mãozinha boba. Diante dessa situação, quem teve de dar uma mãozinha, um empurrão, o “arrocha”, para que algo acontecesse, foi ela.

Quando Vênus o encontrou numa festa de forró no período pré-São João, ela sabia que daquele dia não passava. Apesar da sua índole de caçadora, ela teve de criar coragem e se preparar para dar o tiro certeiro. Depois de algumas doses de vodka, não teve dúvidas de que havia chegado o momento, quando ele a chamou para dançar. Nem hesitou e partiu logo para um approach seguro; como dizem por aí, “chamou na chincha”. E aí, no que deu aquela encostada, aquela “encoxada”, sentiu que havia forma e conteúdo, e aquilo já a deixou menos preocupada. No entanto, apenas a primeira etapa havia sido vencida, ainda tinha muito caminho pela frente. O passo seguinte foi imprensá-lo contra uma mureta, quando ele a chamou para o canto, pois, muito provavelmente, tímido que era, não ficava totalmente à vontade em ficar se agarrando na frente de todos.

Saíram juntos da festa, e ele esboçou uma certa surpresa por Vênus não ter questionado o fato de ele não ter seguido rumo à casa dela. Não satisfeito, perguntou: “Algum problema se eu te levar para um outro lugar?”. Vênus, direta como sempre, respondeu: “Nenhum”. Contrariando as expectativas, ele não a levou para um motel, foram para um apartamento que não era o que ele morava com os pais. Não achou ruim, apenas pensou: “Olhe para isso, esse urologista, hein? Essa lerdeza é só aparência, isso aqui deve ser um abatedouro”. A maneira como ele cumprimentou o porteiro e o jeito como este olhou para ela reforçavam essa hipótese de Vênus.

Diferentemente do que ocorreu com Piquirita, as preliminares não foram nada excepcionais. Ela chegou a pensar que isso até poderia ser um bom sinal. Ledo engano, parte II. Quando ele partiu para os “finalmentes”, continuou no mesmo ritmo, não saiu do “rame-rame”. A Caçadora não poderia se contentar com aquilo e resolveu tomar uma atitude, assumindo as rédeas do processo: “montou na lambreta e desceu a madeira”. E aí, meu irmão, “embalou, embala, embalou, não para, não para, não para, não para...” Mas, em meio a esse embalo todo, Vênus ouviu um estalo, um grito de dor e foi obrigada a parar. O urologista se contorcia de dor, e ela sem entender o que estava acontecendo. Imaginou que a causa deveria ter alguma relação com o tal estalo.

Quando ele conseguiu se recuperar do susto e da dor pavorosa, mostrou a Vênus o estrago que ela tinha feito; segundo a explicação que ele lhe deu minutos depois, por sorte, o prejuízo não foi maior. Susto mesmo quem tomou foi Vênus diante daquela imagem; ela nunca tinha visto uma coisa como aquela. Para terem uma idéia da visão que ela teve, façam o seguinte: segurem a ponta do indicador da mão esquerda, com o indicador e o polegar da mão direita. Na altura da falangeta (a dobrinha que fica próxima à unha), a pressione para baixo com o outro indicador e, ao mesmo tempo, empurre a ponta do dedo, com o polegar da outra mão, na direção contrária. Se o dedo de vocês tiver a mesma flexibilidade que o meu, verão que o indicador da esquerda ficará reto até a altura da falanginha (lembrem que a ordem das articulações, da palma em direção à unha, é: falange, falanginha e falangeta) e daí em diante formará uma curva até a extremidade do dedo, provocada pela hiperextensão da falangeta. Observarão, portanto, que a metade do dedo ficará reta, e a outra metade formará um arco.

Foi mais ou menos isso o que aconteceu com o objeto de trabalho do urologista. Ele levantou, caminhou até o banheiro, deixando Vênus completamente atônita na cama, acendeu a luz, olhou, olhou, virou para um lado, virou para o outro e voltou enunciando o diagnóstico: Graças a Deus, não foi uma fratura peniana.

That’s all folks! Attention, please, I said folks, not fucks!

E assim acaba mais uma aventura (nesse caso, outra desventura) de: “A Caçadora de Piiiiiicas”. Até a próxima!

3 de abril de 2008

“Tapinha não dói, só um tapinha!” ou “A Loura em Fuga e o Selvagem da Motocicleta”

UMA BREVE NOTA SOBRE O TEXTO: Na versão original, escrita em 2004 , como é mencionado num determinado ponto da narrativa, eu já havia substituído alguns nomes por codinomes devido ao caráter da situação da qual o texto trata. Na versão aqui publicada, resolvi também não identificar pelos nomes verdadeiros as minhas amigas que participaram do episódio narrado. Tal procedimento também deverá ser usado outras vezes, já que, entre elas, acredito que uma e outra não aprovariam o fato de suas histórias particulares ganharem uma dimensão pública. Portanto, os nomes em itálico são todos fictícios. Como vocês poderão perceber, não usei o princípio da verossimilhança na escolha deles, afinal Patty, Lyly, Josy e Beth não se parecem em nada como os nomes de minhas amigas. O texto é um tanto longo para os padrões da Internet, mas achei que não teria sentido fragmentá-lo, uma vez que a narrativa segue uma linearidade. Vamos em frente!

Depois de uma série de megaeventos, na cidade e pelas bandas de Praia do Forte (Forte Folia, com Luis Caldas; Ensaio do Jammil, com Leo Jaime; Festa à Fantasia da Zion, com Cidade Negra; e Luau em Scarreef, com Blitz e Men at Work), eu e minhas amigas ansiávamos por uma noite de sexta-feira comum e tranqüila em Salvador. Queríamos poupar nossas energias, uma vez que, no domingo, haveria o prometido passeio “Melhor Está Por Vir II”, na lancha de Patty, e o fim de semana seguinte seria prolongado pelo feriado da Proclamação da República; no nosso caso, proclamaríamos a curtição sem limites (Lyly, em Sauípe; e eu e Beth, em Itacaré).

Patty saiu para comer caranguejo com os pais (que também são seus sócios no escritório), para fazer a média, já que não havia trabalhado alguns dias para ficar com seu namorado argentino-nova-iorquino e em breve tiraria mais uns dias de férias para ficar com ele novamente, desta vez em Nova York. Como não somos tão chiques nem precisávamos fazer média com ninguém, combinamos de nos encontrar no restaurante de um amigo de Beth, por insistência dela, e mais por consideração à amizade deles do que por uma questão de fazer média. Eu e Lyly, acompanhada de Fabiane, a mais nova solteira do grupo, preferíamos ir para o “Divina Providência”, mas aceitamos a sugestão de Beth também por uma questão de amizade. Não sabia eu que, naquela noite, tomaria uma outra decisão, movida pelo mesmo propósito, da qual me arrependeria profundamente, pois a providência divina não agiria em meu favor; ao contrário, eu seria incumbida de uma missão de salvação.

Josy, mais uma vez, ficará de fora da crônica, desta vez, para a sorte dela, pois, se estivesse conosco, seria forte candidata a compartilhar do nosso calvário, até porque foi ela quem introduziu o Selvagem da Motocicleta em nosso círculo de amigos, ou melhor, no caso dele particularmente, de conhecidos. Só para ilustrar com mais clareza a situação, se ele constasse da minha "network" de "friends" do Orkut, certamente, após o episódio da terrível noite de sexta, seria rebaixado da categoria “acquaintance” para a de “haven’t met”. Ainda bem que ele não está na minha rede do Orkut, e o mais recomendável a fazer é evitar qualquer possibilidade de “meeting him”.

Já fui meio arrumadinha para a faculdade e, mesmo antes de me maquiar e trocar a calça jeans por uma minissaia que levei na bolsa para colocar depois da aula, recebi elogios de alunos de ambos os sexos. As meninas, normalmente, se limitavam a perguntar: “Vai sair para se divertir hoje, professora?”. Ou então: “Vai cair no reggae, não é, Cris?”, outras diziam quebrando qualquer resquício de formalidade. E eu respondia toda sorridente: “A intenção é essa”. Doce ilusão, juro que ficaria muito mais feliz se, após entregar minha caderneta no Atendimento ao Docente, tivesse ido para casa, onde assistiria à estréia dos “Aspones”, antes de cochilar no sofá durante o “Jornal da Globo”.

Quando cheguei no restaurante do amigo de Beth, as meninas já estavam comendo duas porções de bruschetta e, para diminuir o sentimento de culpa, escolhiam uma salada do novo cardápio. Lyly e Fabiane bebiam roska de tangerina com adoçante e dividiriam o prato de salada; diferentemente de Beth, que comeu um prato inteiro sozinha, salvo os palmitos doados para Lyly, e optou por um calórico coquetel, o qual, apesar do leite condensado em sua composição, era de frutas, só para manter a fachada. O certo é que, depois do disfarce light, elas caíram matando em uma deliciosa torta búlgara; duas, na verdade, uma de Fabiane e Lyly, e outra de Beth, que acabou a dividindo comigo. Aqueles pedaços de torta compartilhados com minha querida amiga seriam responsáveis pelos instantes de maior prazer daquela noite trágica.

O episódio “O Pior Está Por Vir”, que, com fé em Deus, não terá parte II, começou com o questionamento de Beth, formulado como um desafio e dirigido à mesa enquanto ela aguardava a torta: “Quem é a Joselita[1] que vai comigo para a 'Satélite'[2]?”. Como Josy[3] não estava lá, eu seria a mais provável aspirante ao papel de Joselita. Era aniversário de Bela, e Beth deveria comparecer à comemoração na “Satélite”, não para fazer média, mas pelo fato de a aniversariante ser sua prima. Eu não queria voltar para casa naquele momento e perguntei à Lyly e à Fabiane se elas pretendiam ir para outro lugar. Diante da negativa e para ser solidária com Beth, resolvi aceitar o convite que me era feito em tom de insistência: “Cris, vamos! Você deixa seu carro em casa e vai comigo para a 'Satélite'”. Como diz o jumento no monólogo inicial dos "Saltimbancos", “pensei com meus botões”: “Faço companhia a minha amiga, que não deve demorar, pois não está muito a fim de ir ― somente o fará por obrigação familiar ―, e quem sabe, pela minha prova de amizade, posso ser recompensada encontrando um novo amor ou alguém interessante. Nada, nada, com ou sem novo amor, não deixa de ser uma oportunidade de beijar na boca e ou, pelo menos, de abrir novas frentes de trabalho”.

Ao me despedir de Lyly e Fabiane, firmei o compromisso de ir à praia com elas no dia seguinte: “Aconteça o que acontecer, mesmo dormindo tarde, irei para praia com vocês. Lyly, pode me ligar assim que acordar”. O que realmente aconteceu demonstra o quanto sou uma mulher de palavra: já estava acordada (quer dizer, mal tinha dormido e, se cheguei a dormir, foi muito mal), a contragosto, quando Lyly me ligou, e fui à praia com ela e Fabiane, inclusive para relaxar do stress da noite anterior. Dei tchau às meninas, paguei o guardador de carro, por mim e por Beth, e ele aceitou, sem reclamar, o trocado no esquema pague um leve dois. Em seguida, deixei meu carro em casa e parti com Beth para a "Satélite".

Como a história que vem a seguir é caso de polícia, ou pelo menos se enquadra entre aqueles que devem ser encaminhados à delegacia de mulheres, preservarei a identidade dos principais envolvidos, aos quais serão atribuídos codinomes. A principal vítima (embora também culpada) será aqui chamada de Loura Fugitiva, e o agressor terá o codinome, já mencionado, de Selvagem da Motocicleta. Para evitar a identificação dos protagonistas, os nomes dos que mantêm algum tipo de relação com eles e tiveram alguma participação na história, ainda que como figurantes, também serão alterados a partir de agora.

Assim que entramos na "Satélite", encontramos nossos amigos DDD e DDI. Eles estavam acompanhados de dois amigos que não conhecíamos e aos quais logo fomos apresentadas: um que até achei interessante e que será identificado como Bonitinho; e outro que será apelidado de Lagartixa, pela remota relação com seu apelido de verdade. Além de Bonitinho e Lagartixa, DDD e DDI estavam juntos com o Selvagem da Motocicleta, que nos cumprimentou com um efusivo abraço e, naquele momento, não tinha ao seu lado a Loura Fugitiva, sua namorada. Mesmo ignorando os antecedentes de desequilíbrio mental, Beth chegou a comentar comigo que estranhou a reação do Selvagem, quando ele soube da vitória de DJ Ogrinho (que, durante a semana, trabalha como engenheiro de uma indústria do ramo automobilístico), candidato à vaga de namorado dela, na última eleição (esta ocorreu no mesmo período das eleições municipais, e havia outros dois candidatos).

Fomos ao encontro de Bela, a aniversariante, a qual, assim que lhes foi apresentada, aguçou a cobiça de DDD e DDI; este último, como de costume, disse estar apaixonado por ela. Cheguei a ajudá-lo em suas investidas, em retribuição às vezes em que ele assumiu o papel de “afasta cantadas indesejáveis”, inclusive naquela ocasião; isto é, toda vez que eu pressentia uma cantada que não queria receber, abraçava, puxava conversa e ou ficava dançando com DDI, que é meu amigo e jamais seria um peguete. Eu estava animada e tinha até lançado alguns olhares furtivos para Bonitinho, sem, no entanto, dar muito mole, quando começou a tocar a seleção de Hip Hop. Foi mais ou menos nessa hora que conheci Loura Fugitiva; só fui saber que ela era namorada do Selvagem da Moto um pouco depois.

Como meu radar estava sintonizado em outra faixa de freqüência, não percebi direito algo que ocorreu momentaneamente entre Beth, o Selvagem e a Loura; lembro apenas de ter ouvido Beth falar qualquer coisa como “Pare, Selvagenzinho!”. Acho que ela até comentou comigo o que aconteceu, mas confesso não ter prestado muita atenção, pois não queria perder de vista um carinha que havia despertado o meu interesse e, de vez em quando, me olhava de longe. Embora não tivesse absolutamente nada a ver, ele me fez lembrar George Clooney. Nem grisalho era; não sei qual foi o motivo da associação com o ator de Hollywood: talvez o jeito másculo de dançar e segurar o copo de whisky, ou um trejeito que fazia com a boca, ou ainda o fato de não ter propriamente o tradicional rostinho perfeitinho, mas ser charmoso.

Quando finalmente o tal rapaz saiu do meu campo de visão, resolvi ir ao banheiro. Ao abrir a porta, me deparei com Loura Fugitiva sentada em um banco, mas achei que ela esperava alguma amiga. Devo ter dado um sorrisinho em sinal de atenção, mas não puxei conversa. Quando retornei para a pista, quase falo com Lantejoula Cor de Rosa ― amiga ou conhecida da Loura, que mais tarde teria também uma significativa participação na história ―, pensando que era Beth, cuja camisa parecia com a dela. Comentei com Beth que a Loura estava lá no banheiro. “Ela estava chorando?”, Beth perguntou. “Acho que não, não reparei. Por que estaria?”, indaguei em seguida. “Sei lá, você não viu o que o Selvagem fez comigo? Esse Selvagenzinho é maluco, não te falei o que ele falou quanto a eu estar namorando com DJ Ogro”, disse ela. Eu naquele momento não dei muita importância à Loura, ao Selvagem e à preocupação de Beth, só queria avistar novamente o Segura Copo como Clooney.

Loura Fugitiva voltou do banheiro distribuindo balinhas de hortelã para todos nós. Beth relaxou, ao constatar que a menina não havia se chateado (caso contrário, não a teria presenteado com uma balinha), e aproveitou para puxar papo e ser simpática com ela, com objetivo de evitar qualquer mal-entendido. Mal sabia Beth que, segundo nos relatou a Loura, quando já estava sob nossa proteção, as balinhas seriam o elemento catalisador do surto psicótico do Selvagem.

Um pouco mais tarde, me dei conta de que algo fora do normal acontecia: DDD há um bom tempo não estava mais com a gente; Lagartixa derramou o resto do conteúdo do seu copo no de Beth e se despediu; instantes depois, Bonitinho veio falar comigo, e eu quase ofereci o rosto para os dois beijinhos, pensando que ele estava se despedindo também, mas, na verdade, queria saber de DDD e saiu meio afoito, quando eu disse que não sabia do paradeiro dele. Nesse ínterim, Loura, que havia se afastado de nós por uns minutos, veio ofegante falar com DDI e o puxou pelo braço, arrastando-o em direção ao bar.

Sem DDI ao meu lado, não consegui evitar duas cantadas indesejáveis: um tampinha perguntou se DDI era amigo de Beth, fez um comentário sobre minha tatuagem e, como eu respondia monossilabicamente ou com um meio sorriso a suas perguntas, se queixou de que eu não estava sendo gentil com ele; o outro, bem mais alto do que eu, perguntou se podia me contar um segredo, e eu nem cheguei a averiguar se era gatinho (mesmo que o fosse não teria chance com aquele tipo de cantada), fingi que não entendi o que ele tinha dito, disse qualquer coisa, desconversei e dei um jeito de cair fora sem parecer indelicada. Enquanto pagava a conta ainda recebi uma proposta de casamento de um típico sujeito-mala, escrita em um guardanapo de papel; limitei-me a afastar o guardanapo com a mão e nem olhei para a cara do indivíduo, o qual, segundo Beth, era gordo e bizarro. Ele disse: “Nem pensou?”. Respondi: “Tenho raciocínio rápido”. Ninguém merece uma mala gorda e bizarra como aquela, muito menos eu.

Minutos antes da cantada no caixa, DDI voltou para a pista, com ar de preocupado, mas, quando perguntamos o que havia acontecido, disse apenas: “coisas do Selvagem”. Continuou dançando e dando em cima de Bela. Beth, com apenas um olhar, perguntou em tom de afirmação “Vamos nessa?”; eu, já conformada com o fato de que não rolaria mesmo beijo na boca, balancei a cabeça respondendo que sim. “De qualquer modo, não foi em vão, a saída. Nada, nada, dançar faz bem para a alma e queima calorias”, pensei com meus botões. Pouco tempo depois, não pensaria da mesma forma.

Logo na saída da "Satélite", entendemos o que DDI queria dizer com “coisas do Selvagem”; este tinha encarnado sua personalidade Maçaranduba e estava distribuindo “porrada”. Além dos traços violentos, só revelados naquela noite, ele bem que tem uma semelhança física com o personagem do "Casseta & Planeta": é baixinho, marombado e tem a cara meio amassada (não chega a ser deformada) e os olhos esbugalhados. Não sei se estou sendo exata na descrição, porque não costumo ficar analisando cara feia, único ponto sobre o qual não tenho a menor dúvida: é feia mesmo. O alvo da “porrada” era o pobre DDD, que, creio eu, mais por amizade ao Selvagem do que para livrar a Loura do seu carrasco, tentava evitar que este cometesse uma loucura maior; para isso, acabou entrando no meio da briga e não saiu ileso. Pelo que deu para observar do nosso ângulo de visão, Lagartixa estava no grupo que procurava apartá-los.

Enquanto assistíamos à cena de longe, ainda sem entender direito o que estava acontecendo, fomos surpreendidas por Lantejoula Rosa, que, com sua voz rouca e agitada, nos pedia que déssemos um jeito de tirar Loura dali. Bonitinho chegou com a chave do Pegeaut da Loura, endossando o pedido de Lantejoula Rosa, já que eles não podiam ficar com o carro dela, pois moram na mesma área que o Selvagem. Apenas naquele momento, fomos informadas de que o Selvagem chegou a agredi-la e havia uma grande probabilidade de, mais tarde, ele ir atrás dela. Ele tinha deixado sua moto em casa; foi a própria Loura quem o levou para a "Satélite". No entanto, quando chegasse em sua residência e pegasse a motocicleta, certamente daria início à perseguição.

Loura entrou na conversa e, em seu desespero, mal conseguia responder nossas perguntas e muito menos tomar uma decisão quanto às possibilidades de fuga que planejávamos. Depois de escutar algumas sugestões não muito pragmáticas, acabei convencendo o grupo de que o mais sensato a fazer seria deixá-la na casa dos pais; eu dirigiria o carro da Loura, e ela iria no carro de Beth, que, finalizada a missão, me levaria para casa. Loura acabou acatando a decisão, mesmo tendo apresentado uma certa resistência: argumentava que teria de acordar seus pais, pois tinha deixado a chave de casa na residência do Selvagem; além disso, seu pai tinha 74 anos, e ela não queria lhe causar o constrangimento de vê-la naquele estado. Enfatizei que, com os pais, ela estaria protegida e que o problema precisava ser enfrentado. Ao saber que o Selvagem tinha ido embora, ela ficou mais tranqüila e concordou com a estratégia de fuga.

Bonitinho me passou a chave e nos agradeceu por termos aceitado a missão de que ficamos incumbidas. Eu, normalmente, fico tensa ao dirigir um carro alheio; numa situação como aquela, era pior ainda. Isso sem falar que o Pegeaut azul estava com todos os vidros abertos, e eu demorei um tempo para descobrir como fechá-los, o que só agravava a minha aflição. A imagem do Selvagem em sua moto, perseguindo o veículo que então era guiado por mim, não me saía da cabeça, e, mesmo tendo de seguir o outro carro, eu não tirava os olhos do retrovisor.

Achei estranho o fato de elas não terem subido a ladeira da Cruz da Redenção, mas Loura poderia perfeitamente morar pelas bandas do Acupe ou Beth poderia ter achado melhor ir pela Valdemar Falcão. Depois de passar pela entrada do Candeal, apesar de estranhar a rota, estava bem mais tranqüila, pois imaginava que logo deixaríamos a Loura, em Brotas, e pouco tempo depois eu já estaria deitada na minha caminha, distante de toda aquela atmosfera de fuga e perseguição. Em questão de segundos, o sonho da caminha se desfez, quando vi que a lanterna traseira da direita do carro de Beth piscava indicando que ela entraria no seu condomínio, em vez de seguir para a casa dos pais da Loura em Fuga, como havíamos combinado.

Entrei no condomínio de Beth e continuei seguindo o carro dela, até que, na área das quadras, ela fez sinal para que eu emparelhasse o carro e gritou: “Vamos parar para a gente conversar um pouco com ela”. Não havia outro jeito, soltei do carro, respirei fundo e me preparei para dar uma força à moça, embora não estivesse nem um pouco disposta a atitudes altruístas às 4h da madrugada. Até costumo regularmente ajudar meus semelhantes, mas acho que mesmo Madre Teresa de Calcutá titubearia diante de tal tarefa. Lembro de ter visto, na "Sagrada Família", em Barcelona, um cartaz em homenagem à Madre Teresa, que dizia: “Les obres d'amor son obres de pau" (esta última palavra significa paz, em catalão). Sendo assim, no meu caso, devido à carência de um pau para toda obra, era compreensível a falta de empenho em obras de amor ao próximo.

Beth, que andava mais bem servida nesse aspecto, pois engenheiros entendem de obras, procurava dar conselhos e ouvia pacientemente ao rosário de lamentações da Loura Aflita. A cada nova revelação, eu estremecia e não sabia se ria ou chorava à medida que os relatos prosseguiam. Havia semelhanças com a novela “Mulheres Apaixonadas”, mas Manoel Carlos, preso aos padrões globais, jamais escreveria uma história como aquela. O enredo ficava entre os roteiros dos filmes de Almodóvar e as simulações exibidas no programa “Linha Direta”. E não é que a Loura em Lágrimas estava com um figurino bem adequado ao estilo kitsch do cineasta espanhol: usava um cintão rosa que emoldurava a calça de jeans de cintura baixa e fazia conjunto com a sandália de salto alto de madeira, a qual possuía um nó, do mesmo couro sintético rosa, na altura do metatarso. Seus gestos, entonação e perfil psicológico não diferiam muito daqueles das personagens de “Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos”. Vale ressaltar que ela também teve seu momento “Ata-me”, embora sem nenhuma conotação de fetiche sexual, e o que é pior: o responsável pelo ato está a anos luz de ser um Antônio Banderas.



É difícil evitar o sensacionalismo, diante de uma temática que envolve amor, ciúmes, escândalo e violência, mas sou uma jornalista séria e não quero expor a moça ao ridículo ou à comiseração pública. No entanto, não posso me furtar ao dever de relatar os fatos e os depoimentos que me foram feitos. Também acredito que tenho a responsabilidade social de chamar atenção para o absurdo da situação, para que outras pessoas, com experiências semelhantes, se conscientizem do mal que fazem a si próprias, procurem ajuda e tentem livrar-se do problema. Devo dizer também que os fatos serão aqui apresentados com base na versão da Loura e podem estar distorcidos. Caberia também ouvir o Selvagem para chegarmos mais próximo da verdade factual. Mas não quero correr os riscos que o jornalismo investigativo impõe; de maluco, quero distância.

Seguem alguns fragmentos da conversa, em formato de entrevista:

C.S. (sou eu, Cristiana Serra): “O que foi que aconteceu, você poderia nos explicar melhor?”

Loura: “Ele ficou louco, porque eu saí do banheiro distribuindo balinhas. Queria saber de onde elas vieram e começou a me empurrar. Um rapaz tentou me proteger, e ele ia partir para cima do garoto, quando chegou o segurança. O rapaz me disse: ‘esse cara não te merece’”.

(Aí, Beth falou: “Não te merece mesxxxxxmo!”)

C.S.: “E depois, ele te agrediu?”

Loura: “Na saída, ele me empurrou, e eu bati a cabeça na grade, num ferro. Depois caí, de frente, em cima dos cactos do jardim, estou cheia de espinhos na barriga”.

C.S.: “Ele costuma ser agressivo com você, já fez coisas parecidas outras vezes?”

Loura: “Não, ele é uma meiguice comigo, é super carinhoso, mas, de vez em quando, tem crises de ciúmes, surta e fica agressivo.”

C.S.: “Mas ele já te agrediu fisicamente, outras vezes, durante esses surtos?”

Loura: “Não, quer dizer, um pouquinho. Um tapinha ou outro durante uma discussão. Uma vez, estávamos no carro, e ele ficou batendo minha cabeça contra a marcha. Só isso.”

C.S: “Mas por que você se submete a esse tipo de coisa e fica com um cara como esse?”

Loura: “Apesar de tudo, sou apaixonada por ele. Eu preciso confessar uma coisa para vocês: eu sou órfã”.

C.S.: “Não íamos deixar você na casa de seus pais?”

Loura: “Na verdade, eles são meus tios, mas os chamo de pai e mãe”.

C.S.: “Mais um motivo para você deixar o Selvagem. Se você já conseguiu enfrentar um problema tão sério como a perda de seus pais, não vai conseguir dar um basta na situação e se afastar desse cara?”

Loura: “Eu amo o Selvagem e não suportaria mais essa perda; já perdi meus pais, meu tio que eu amava tanto e minha avó que era a pessoa mais importante da minha vida”.

E eu que sempre pensei que o sofrimento torna as pessoas mais fortes. Toda regra tem exceção, é verdade. Nesse meio tempo, minha mãe ligou, para saber onde eu estava. Expliquei-lhe rapidamente a situação e disse que ainda não sabia que rumo esta tomaria e como eu voltaria para casa. Àquela altura, eu já não tinha mais ânimo para continuar com a entrevista em forma de conselho e desabafo, e propus que tomássemos uma decisão: “Ou saímos agora para deixar Loura na casa dos tios-pais ou dormimos todas aqui na casa de Beth, pois estou morta de cansada”. Beth e a Loura optaram pela segunda alternativa. Liguei para casa, para avisar que seria obrigada a dormir na casa de Beth, e disse que ligaria assim que acordasse, para alguém me resgatar; naquele instante, quem queria fugir era eu.

No caminho da quadra até a casa de Beth, eu pensava no telefonema para minha mãe: “Meu Deus, toda essa história de Loura em Fuga, de dormir na casa de Beth, não poderia ser fruto da minha fértil imaginação, algo inventado como uma desculpa para dormir fora de casa, se eu tivesse encontrado o amor de minha vida ou mesmo um George Clooney (aqui me refiro ao ator mesmo, não ao rapaz da boate) que me levasse à loucura e com quem passaria a noite?”. Só na imaginação mesmo, pois a realidade era bem diferente: tive de dividir a mesma cama com Beth e a Loura. Minha paciência tinha chegado no limite, já não suportava mais a enxurrada de telefonemas, em sua maioria com Lantejoula Rosa, a qual fazia toda a cobertura, diretamente da toca do Selvagem, isso sem falar nas crises efêmeras e constantes de choro da Loura (começavam e acabavam de uma hora para outra, como criança pequena que cessa imediatamente o choro quando tem sua vontade atendida), e seus sobressaltos, causados pela impressão de ter ouvido um barulho de moto.

Para quem sonhava em passar a noite junto de George Clooney , não foi nada agradável ter de dormir toda espremida, pele com pele, bunda com bunda, ao lado de Beth; ainda bem que temos intimidade suficiente para isso, afinal são mais de 15 anos de amizade. Não sei se, no caso de Beth, a situação era a mesma na fronteira com a Loura; se era, acho bem feito, para ela aprender a pensar duas vezes antes de oferecer sua cama para uma desconhecida (ou nem tão conhecida, já que ela tinha estado com a Loura antes, em duas ocasiões). Foi aí que eu disse algo que ajudou a relaxar os nervos: “Se eu conseguir dormir, vou ter pesadelos com esse Selvagenzinho verde olhando para mim”. Eu me referia a uma máscara verde à minha frente, que Beth fez para o curso de teatro e que tinha alguma relação de semelhança com o Selvagem, sua cara era tão feia quanto à dele. Beth teve uma crise de riso e foi acompanhada por mim. A cama toda sacudia, nem a Loura conseguiu se conter. Passada a crise, meu abdômen doía de tanto rir, Beth ainda tinha breves explosões de riso, e com isso ficamos mais relaxadas e fomos rendidas pelo sono e o cansaço.

Lá pelas tantas, com o dia já claro, notei que a cama tinha ficado mais folgada. Loura resolveu deitar-se no chão. Segundo nos contou, enquanto dormíamos, ela ficou rezando um terço. Acho que, para ver se a Loura parava de falar que não conseguiria dormir, Beth lhe deu um terço que ficava na cabeceira da cama. “Você é religiosa? Então se apegue com Ele. Ele é óóótimo, nessas horas!” Lia-se, no balãozinho imaginário sobre sua cabeça: “Shut your mouth e deixe a gente dormir que eu também já estou de saco cheio, embora seja responsável por você estar aqui”.

Já ia esquecendo de mencionar que, antes da crise de riso, a última notícia do Boletim de Lantejoula Rosa era a seguinte: “DDD deixou o Selvagem em casa, e este saiu para surfar com um amigo”. Isso era demais para mim: DDD, coitado, todo arrebentado, eu e Beth sem dormir tendo que aturar a Loura, e a peste do Selvagem, na praia, surfando! Me bata um abacate e me faça uma garapa, só para combinar com a máscara verde e a parede de cor pistache do quarto de Beth!

Por volta das 8h ou 9h, o noticiário anunciava: “Selvagem vai à casa dos pais-tios e é recebido com suco e bolo pela mãe-tia da Loura”. Eu de jejum, e Maçaranduba comendo bolinho! Tudo bem, bolo engorda, e minha amiga, dona da casa, não deixou de me oferecer suco de laranja e sanduíche com pão e queijo light, servidos no quarto. O celular de Beth também não teve sossego. Até o Selvagem resolveu ligar e falou todo meiguinho com ela, na tentativa de obter alguma informação sobre o paradeiro da Loura; obviamente, sem sucesso.

Enquanto Loura decidia o que fazer e onde ficaria refugiada, novas revelações eram feitas, tais como:

1) “Estou pagando até hoje uma jóia que comprei para a mãe dele”.
2) “No dia do meu aniversário, ele disse que queria terminar o relacionamento. Logo depois, fizemos amor, e ele me deixou em casa. Eu achava que diante das circunstâncias não tínhamos terminado. Mas ele se mandou para o Sauípe Folia. Disse que não foi, mas tenho certeza de que foi sim”.
3) “Eu dei para ele uma prancha de R$ 650,00”.
4) “Eu uma vez tentei convencê-lo a ir comigo para Igreja. Ele odeia psicólogo”.
5) “No dia do aniversário dele, fui ao shopping comprar um presente. Mais tarde, estava fazendo brigadeiros junto com uma amiga, quando ele falou para eu mandar minha amiga embora. Eu fiz o que ele pediu, achando que ele queria ficar sozinho comigo. Quando ela saiu, ele surtou, me amarrou, me amordaçou e começou a dizer um monte de coisas”.

Gostaria de ter feito, naquela ocasião, os seguintes comentários, referentes a cada uma das revelações:

1) Nunca comprei uma jóia para mim com meu dinheiro, que dirá para uma sogra.
2) Terminar com ele era o melhor presente de aniversário que ela poderia receber. Mas se deixou levar pelos versos de Leandro ainda com Leonardo: “Entre tapas e beijos, é ódio, é desejo, é sonho, é ternura, um casal que se ama até mesmo na cama provoca loucuras. E assim vou vivendo, sofrendo e querendo esse amor doentio...”
2.1) Para o Sauípe Folia, ele foi mesmo. Além das provas testemunhais, entre as quais incluem-se meu depoimento e o de Beth, há fotos e registros em vídeo.
3) Dizem que surfar acalma os nervos. Nesse sentido, a prancha pode até ser considerada um investimento. Mas eu nunca dei um presente desse preço para meu ex-namorado, que me tratava muito bem e com o qual passei quase 9 anos.
4) No caso do Selvagem, um psiquiatra seria o profissional mais indicado; mas, diante da resistência a esse tipo de tratamento, em vez de levá-lo à Igreja, seria mais eficiente procurar uma rezadeira, um caboclo, para tirar o encosto, ou tentar, em última instância, um exorcista.
5) “Tapinha não dói” só em uma sessão sadomasoquista com George Clooney, mesmo assim, com restrições. Amarrada e amordaçada, só se fosse por Antônio Banderas e a meu pedido: “Ata-me, gostoso!”.







Beth deve ter sido contaminada pela insanidade, por ter dormido junto da Loura, ou queria livrar-se dela a qualquer custo e, tomada pelo desespero, ofereceu-lhe seu village em Praia do Forte como refúgio. “Você pode ficar lá”. No entanto, para meu profundo pavor, a primeira opção configurava-se como a mais provável. Minha querida amiga começou a delirar: “Cole na gente, você vai se divertir muito e esquecer de vez esse Selvagem que não te merece. Por que você não vai para Itacaré conosco, no próximo fim de semana? Cris, por enquanto, vai ficar sozinha no quarto”.

Diante da última frase, gelei. Deus me livre viajar para dividir um quarto com uma desequilibrada que se deixa amordaçar, depois de já ter levado umas pancadas na cabeça contra a marcha do carro. E tudo por amor a uma criatura com a cara igual à da máscara verde e parecido com Maçaranduba, inclusive no aspecto mental. E se o Selvagem inventasse de aparecer por lá? Socorro, Okearô, meu pai, Oxossi!!! Me livre dessa. A sorte é que, quando a Loura foi embora, Beth recuperou seu juízo.

Eu já estava a ponto de enlouquecer, quando o telefone tocou mais uma vez, era o fixo do quarto de Beth. Lyly estava na linha e queria saber se eu iria para a praia com ela. Suspirei aliviada, tratava-se então de planejar a minha fuga. “Oi, minha querida”. “Cris, o que aconteceu, liguei para sua casa, e sua irmã me disse que você estava aí, a cachaça foi tanta assim que você teve de dormir na casa de Beth?”. “Antes fosse, antes fosse. Você não sabe a noite terrível que passei”. “O que foi? Conte tudo!”. “Depois, depois...”. “Conte agora ou vou ter uma síncope de curiosidade”. “Não dá”. “Tem alguém aí do seu lado? Você não pode falar?”. “Isso”. E eu não podia satisfazer a curiosidade da minha amiga, e ao mesmo tempo não conseguia disfarçar o meu incômodo. Acertei tudo com Lyly: ela passaria na casa de Beth para me pegar; em seguida, iríamos rapidamente até minha casa, para eu colocar um biquíni, e, finalmente, seguiríamos para a praia.

Quando ela ligou novamente e disse “Estou saindo, fique pronta”, vi que a libertação se aproximava. Cerca de quinze minutos depois, Loura gritou: “Ai, meu Deus, um barulho de carro. Olhe aí na janela”. Não era mais um de seus sobressaltos, era o carro de Lyly e o fim do meu suplício. Me despedi de Beth, falei com a Loura, desci correndo as escadas e saí da casa com a mesma roupa da noite anterior. Só não corri até o carro, porque estava de salto alto. Iniciava-se um novo filme: “A Fuga da Morena para Honolulu[4]”.

Além de Lyly, Fabiane e Paulete estavam no carro, e todas elas aguardavam ansiosamente o relato dos fatos. Como estava entre amigas, atendi ao apelo da audiência e dei início à primeira edição do Fofoca Alerta, até chegar o esperado momento de me purificar nas águas de Iemanjá.

Salvador, 10 de novembro de 2004

Cristiana Serra, em pleno dia de trabalho, a poucos minutos de sair para dar aula, grata por não saber até então o que aconteceu com a Loura depois do último sábado.

[1] Josy e Beth inventaram essa denominação, inspiradas no protagonista de um desenho animado. Segundo elas, o nome do desenho, que é o mesmo do personagem, é “Joselito, um garoto sem limites”.
[2] Esse era o nome da boate para a qual fomos naquela noite e que hoje não existe mais. No lugar dela, funciona um bar.
[3] A semelhança entre os nomes (Josy e Joselita) talvez seja mera coincidência.
[4] Honolulu era o nome da barraca de praia para a qual iríamos