8 de abril de 2008

A Caçadora de Piiiiiiii.....

Até pelo fato de ter formação em Jornalismo, ficção não é a minha praia; as histórias sobre as quais escrevo têm como fonte a realidade. Mas, nesse texto especificamente, farei uma tentativa de enveredar-me por esse campo até então inexplorado por mim: criarei uma personagem que não tem uma existência física, não corresponde a ninguém que conheço nem a ninguém de quem ouvi falar, muito menos, a minhas próprias experiências. Trata-se de um ser que pertence ao universo imaginário. No entanto, considerando que a criação literária, segundo a tradição aristotélica, humanista, clássica, realista, naturalista e mesmo marxista (aprendi isso no Doutorado em Letras. Aprendi também que a tradição moderna e a teoria literária se opõem a essa visão), tem por finalidade representar a realidade, utilizando para isso o princípio da verossimilhança, as experiências vividas por tal personagem não diferem muito de outras de que tomei conhecimento em rodas de amigas em diversas ocasiões.

Homens, não se enganem, mulher quando se junta solta o verbo (este sempre vem na companhia de pronomes, advérbios e, principalmente, substantivos devidamente qualificados por adjetivos), mesmo se o assunto em questão for da esfera mais íntima e privada de todas. Discrição é uma palavra que não consta do dicionário delas; sigilo, tampouco. Tudo se comenta com uma riqueza de detalhes surpreendente, e, muitas vezes, a depender do talento cênico da narradora, estes também vêm acompanhados de toda uma encenação que os torna ainda mais expressivos. Vale dizer que esse nível de detalhamento é diretamente proporcional ao grau de amizade das interlocutoras.

Foi numa dessas conversas entre amigas, num banho de mar ao cair da tarde, no Porto da Barra, que surgiu a inspiração para a criação da personagem. Éramos seis, e três das presentes trocavam idéias sobre o tema “piquirita” (mais adiante vocês entenderão do que se trata), justamente porque uma delas passou por uma experiência desse tipo, falou para as demais na ocasião, e uma entre essas “demais” tinha recentemente vivido, tempos depois, a mesma experiência com o mesmo objeto de interesse, confirmando a opinião da primeira, embora identificando, no relato feito por esta, um leve exagero, digamos assim, de ordem de grandeza, quer dizer, de pequeneza.

Com perdão da expressão altamente vulgar, “mudando de pau pra cacete”, o tópico de discussão durante o banho de mar passou a ser a programação de sábado. Em meio à repentina mudança de assunto, alguém lembrou de Etezinha, que é assim chamada por viver uma realidade tão diferente que parece ser de outro planeta. Etezinha não é crente, mas só conheceu no sentido bíblico um único homem, o qual ainda era praticamente um menino quando eles começaram a namorar. Ela mal tinha concluído o primeiro ciclo do ensino fundamental quando deu seu primeiro beijo, e só deu pela primeira vez (ou seja, perdeu a virgindade), quando já estava em idade de concluir a faculdade.

Eles namoraram durante mais de quinze anos e nunca viajaram sozinhos, e, o que é pior, nunca passaram uma noite inteira juntos, isto é, um não sabe como é a cara do outro ao acordar de manhã, nunca presenciaram o início de um novo dia dividindo a mesma cama, uma só vez sequer, mesmo depois da tardia iniciação sexual.

Pelo menos, Etezinha tem um ponto em comum com suas amigas terráqueas do século XXI (as do século XIX tinham um comportamento mais parecido com o dela; isso, antes do casamento): não é mais virgem.

Mica Leoa Dourada (poderia tê-la chamado de Ararinha Azul, mas sua pelagem se aproxima mais da do referido mamífero), aqui desse modo identificada, por ser um raríssimo exemplar de uma espécie da natureza humana em extinção, há muito já ultrapassou a casa dos 30, mas acredita-se que ela permaneça donzela invicta e também convicta, ainda que não explicitamente. É como se Mica vivesse num mundo passado como revelam suas roupas e gírias. “Massa real”, para os padrões dela, é expressão da moda. Se para ela, telefonar para um pretendente, retornando uma ligação dele, é coisa de mulher fácil, imagine o resto!

Devido a este tipo de observação que ela costuma fazer e como até hoje nunca ninguém a viu com um namorado, embora ela já tenha se referido a um com o qual teve um relacionamento de não muito mais do que um mês, especula-se sobre sua virgindade. Na verdade, se trata muito mais de uma questão de dedução do que de especulação. E toda vez que uma “bocuda” e abelhuda entre suas amigas tenta perguntar algo sobre sua vida íntima, Mica diz, de forma curta e grossa: “Não é da sua conta”.

Encerrada essa enorme contextualização sobre a pessoa de Etezinha e sua comparação com uma outra criatura rara na superfície da Terra, voltemos ao ponto da conversa em que o nome dela foi mencionado durante o falado banho de mar no Porto da Barra. Alguém colocou em pauta a programação noturna de sábado. Outra pessoa perguntou se haviam ligado para Etezinha. E uma terceira disse que ela tinha dito que não sairia no fim de semana, pois pretendia terminar a leitura de “O caçador de pipas”. Foi aí que uma delas ― vê-se que é bastante espirituosa ― comentou: “Ela deveria ler era a Caçadora de Picas, isso sim, para aprender o bom da vida”. Então pensei: que se crie então uma personagem, a Caçadora de Picas. E assim se fez.

Fico até meio envergonhada de falar desses assuntos num espaço que, embora seja informal, não é a mesma coisa que um bate papo entre amigas. Estou galáxias distantes de ser uma Etezinha da vida, mas ainda assim sou uma “moça” de família e tenho uma reputação a zelar. Meus familiares sabem da existência desse blog, não sei se o lêem, mas espero que sim. Então, não fica bem andar por aqui contando as aventuras da Caçadora de Picas. Mas é algo que simplesmente escapa do meu livre arbítrio, sinto-me como uma “eleita” para realizar tal tarefa. Sou apenas uma intermediária de uma vontade maior.

Dito isso, trato então de lhes apresentar Vênus, a Caçadora de Picas, do modo como ela se apresentou à minha imaginação. Se Vênus vivesse no Afeganistão, provavelmente, nem estaria mais viva, pois, dificilmente, a poupariam das chibatadas e de outros castigos maiores. Vênus nasceu em uma metrópole do Ocidente, é uma mulher moderna, urbana, independente financeira e emocionalmente. Deve ter por volta de 35 anos ou até mais, apesar de aparentar bem menos idade. Não é branca nem negra, não é alta nem baixa, não é gorda nem magra, mas está muito longe de ser uma mulher mediana. Ela sabe bem o que quer e é suficientemente ardilosa para obter o que deseja.

Feita essa breve descrição da personagem, contarei duas de suas célebres aventuras, embora estas não façam parte daquelas que foram bem sucedidas. Aparentemente, tinham todos os elementos favoráveis ao sucesso, mas não foi isso o que aconteceu. A primeira presa da Caçadora de Picas foi um moreno alto, bonito e sensual, que, ao contrário do que era esperado, não foi a solução para os seus problemas. O rapaz em questão era cinco anos mais novo do que ela, tinha o surf como hobby (ou talvez até como principal atividade), o que eram bons indícios de virilidade e vigor físico, e, além de tudo, era seu vizinho, apenas um lance de escada os separavam, e os botões do elevador correspondentes a seus apartamentos ficavam juntinhos. Os pais dele viajavam constantemente, o que facilitaria, e muito, as caçadas, as quais poderiam até se tornar um tanto freqüentes, não fosse por um pequeno detalhe, um detalhe literalmente pequeno.

O fato de o rapaz ser meio cabeça oca, meio bobinho e meninão foi, em princípio, um fator limitante para uma maior aproximação. Mas, quando, finalmente, Vênus resolveu se render às investidas do vizinho, obviamente, não era na cabeça do moço, quero dizer, no intelecto, que ela estava interessada. A selva não estava para caça, e ela não podia se dar ao luxo de dispensar um homão daquele. Se ele tinha mais de um metro e oitenta, o resto deveria obedecer à lei da proporção. Doce ilusão.

Um dia antes, na primeira vez em que eles ficaram numa festinha na casa dela, o beijo tinha passado no controle de qualidade, e os amassos, igualmente; fora o papo, este quase inexistente, Vênus não tinha do que se queixar. Nessa ocasião, as amigas ficaram para dormir na casa dela, então ela apenas preparou o terreno antes de dar o bote. Ela nem teve o trabalho de montar a armadilha, pois o rapaz mordeu a isca direitinho e no dia seguinte a convidou para uma sessão de vinho e DVD no andar de cima. Depois da segunda taça de vinho, o DVD ficou para segundo plano. Pelas preliminares, tudo indicava que os “finalmentes” seriam bons. Doce ilusão, parte II.

Vênus agora sabe que certo é o ditado que diz que “quando a esmola é grande, o santo desconfia”. No caso do vizinho, as habilidades manuais e a competência lingüística, digamos desta forma, eram um meio de compensar a falta de outras qualidades de maior volume e o não preenchimento de um certo vazio, se é que vocês me entendem. Era o caso de Vênus denunciar ao Procom ou ao Conar, por propaganda enganosa. Qualquer um lhe daria ganho de causa.

Ao tomar conhecimento da história, uma das confidentes de Vênus apelidou o tal rapaz de Piquirita; não precisa dizer por que. Vênus nem teve coragem de dar uma outra chance ao vizinho, afinal o problema dele não era algo passível de solução. Então, o que não tem remédio, remediado está. Desde então, eles até já trocaram uns beijinhos ocasionais, mas Vênus nunca pisou os pés no apartamento de cima novamente nem aceitou as propostas de se encontrarem na escada, que ele lhe fez inúmeras vezes. No dia do aniversário dela, ele mandou a seguinte mensagem via celular: “Parabéns! Estou viajando. Quando chegar, marcamos para eu lhe dar aquele seu presente”. Quando ela leu a mensagem de Piquirita para a amiga, esta fez o seguinte comentário: “Presente? Só se for uma lembrancinha”.

Depois dessa aventura frustrante, Vênus quis se cercar de todos os cuidados para não ter de enfrentar uma nova decepção. Resolveu procurar alguém especializado no assunto e que entendesse daquilo de que ela tanto gostava. A segunda presa de Vênus foi escolhida a dedo: era um médico urologista. Se ele tinha tanto conhecimento sobre a área de interesse dela, deveria saber manejar bem aquilo em que se especializara. Ledo engano. Nesse caso, o problema não foi dimensional; as variáveis intensidade e criatividade é que estavam abaixo da média. Desde o início do relacionamento (este não chegou a ser namoro, porque o cara também era enrolado e ainda estava sob o efeito de uma dor de cotovelo), ela notou que o rapaz era meio lerdo; saíram várias vezes, mas não rolava nem uma mãozinha boba. Diante dessa situação, quem teve de dar uma mãozinha, um empurrão, o “arrocha”, para que algo acontecesse, foi ela.

Quando Vênus o encontrou numa festa de forró no período pré-São João, ela sabia que daquele dia não passava. Apesar da sua índole de caçadora, ela teve de criar coragem e se preparar para dar o tiro certeiro. Depois de algumas doses de vodka, não teve dúvidas de que havia chegado o momento, quando ele a chamou para dançar. Nem hesitou e partiu logo para um approach seguro; como dizem por aí, “chamou na chincha”. E aí, no que deu aquela encostada, aquela “encoxada”, sentiu que havia forma e conteúdo, e aquilo já a deixou menos preocupada. No entanto, apenas a primeira etapa havia sido vencida, ainda tinha muito caminho pela frente. O passo seguinte foi imprensá-lo contra uma mureta, quando ele a chamou para o canto, pois, muito provavelmente, tímido que era, não ficava totalmente à vontade em ficar se agarrando na frente de todos.

Saíram juntos da festa, e ele esboçou uma certa surpresa por Vênus não ter questionado o fato de ele não ter seguido rumo à casa dela. Não satisfeito, perguntou: “Algum problema se eu te levar para um outro lugar?”. Vênus, direta como sempre, respondeu: “Nenhum”. Contrariando as expectativas, ele não a levou para um motel, foram para um apartamento que não era o que ele morava com os pais. Não achou ruim, apenas pensou: “Olhe para isso, esse urologista, hein? Essa lerdeza é só aparência, isso aqui deve ser um abatedouro”. A maneira como ele cumprimentou o porteiro e o jeito como este olhou para ela reforçavam essa hipótese de Vênus.

Diferentemente do que ocorreu com Piquirita, as preliminares não foram nada excepcionais. Ela chegou a pensar que isso até poderia ser um bom sinal. Ledo engano, parte II. Quando ele partiu para os “finalmentes”, continuou no mesmo ritmo, não saiu do “rame-rame”. A Caçadora não poderia se contentar com aquilo e resolveu tomar uma atitude, assumindo as rédeas do processo: “montou na lambreta e desceu a madeira”. E aí, meu irmão, “embalou, embala, embalou, não para, não para, não para, não para...” Mas, em meio a esse embalo todo, Vênus ouviu um estalo, um grito de dor e foi obrigada a parar. O urologista se contorcia de dor, e ela sem entender o que estava acontecendo. Imaginou que a causa deveria ter alguma relação com o tal estalo.

Quando ele conseguiu se recuperar do susto e da dor pavorosa, mostrou a Vênus o estrago que ela tinha feito; segundo a explicação que ele lhe deu minutos depois, por sorte, o prejuízo não foi maior. Susto mesmo quem tomou foi Vênus diante daquela imagem; ela nunca tinha visto uma coisa como aquela. Para terem uma idéia da visão que ela teve, façam o seguinte: segurem a ponta do indicador da mão esquerda, com o indicador e o polegar da mão direita. Na altura da falangeta (a dobrinha que fica próxima à unha), a pressione para baixo com o outro indicador e, ao mesmo tempo, empurre a ponta do dedo, com o polegar da outra mão, na direção contrária. Se o dedo de vocês tiver a mesma flexibilidade que o meu, verão que o indicador da esquerda ficará reto até a altura da falanginha (lembrem que a ordem das articulações, da palma em direção à unha, é: falange, falanginha e falangeta) e daí em diante formará uma curva até a extremidade do dedo, provocada pela hiperextensão da falangeta. Observarão, portanto, que a metade do dedo ficará reta, e a outra metade formará um arco.

Foi mais ou menos isso o que aconteceu com o objeto de trabalho do urologista. Ele levantou, caminhou até o banheiro, deixando Vênus completamente atônita na cama, acendeu a luz, olhou, olhou, virou para um lado, virou para o outro e voltou enunciando o diagnóstico: Graças a Deus, não foi uma fratura peniana.

That’s all folks! Attention, please, I said folks, not fucks!

E assim acaba mais uma aventura (nesse caso, outra desventura) de: “A Caçadora de Piiiiiicas”. Até a próxima!

2 comentários:

Anônimo disse...

Cris,
Os textos estão ótimos e divertidos. Li os três.
Vc tem muito talento. Muito sucesso com o seu blog.
bjs,
Cali (cassi).

Cris disse...

Valeu, Cassi!!!!! Olhe só, no mês de março, eu publiquei outros textos, mas, na página principal, só aparecem os títulos dos textos publicados no mês corrente. Se quiser ler esses outros, é só clicar em cima do link "março". Mas sempre haverá coisa nova. Afinal, divertidas mesmo são as nossas histórias. Muito obrigada!!! Beijão