8 de março de 2008

Cartinha para uma águia no Dia Internacional da Mulher

Como hoje é o Dia Internacional da Mulher ― não foi à toa que escolhi essa data para o lançamento do meu blog ― lembrei de um texto que escrevi um tempo atrás sob encomenda e como forma de socorrer uma amiga num momento de aperto. Embora não achasse muito correto, afinal sou muito certinha (de pai e mãe) no que se refere a esse tipo de coisa, não poderia deixar de atender ao pedido de uma das mais queridas entre minhas queridas amigas. Como professora, obviamente, recriminaria meus alunos se eles fizessem o que ela fez. Mas, numa situação como aquela, que resultava num certo conflito ético (pelo menos, para mim), temos de pesar todas as variáveis envolvidas. A amiga em questão assistiu a todas as aulas, não faz parte da galera que leva os estudos com a barriga e na malandragem; apenas estava muito sobrecarregada de trabalho, e aquela era uma avaliação de uma disciplina que não era tão crucial para a área de conhecimento na qual ela estava se especializando na pós-graduação. Fora isso, a tarefa passada pelo professor de Filosofia fugia um pouco do convencional e exigia uma certa dose de criatividade. Não que a minha amiga não tivesse esse dom, muito pelo contrário; ela só não estava em condições favoráveis para explorar seu potencial criativo naquele momento. Considerando tudo isso, não vi mal em fazer o trabalho no lugar dela, mesmo porque ajudar um amigo é uma atitude nobre, o que me deixava com a consciência tranqüila.

Sim, mas o que tudo isso tem a ver com o Dia Internacional da Mulher? Aguardem e verão. O professor de minha amiga passou um texto, provavelmente retirado do livro (ou talvez inspirado nele) “A águia e a galinha”, de Leonardo Boff, cuja história era a seguinte: uma águia foi criada por (ou com, não me lembro exatamente) galinhas. Achava que era galinha, mas descobriu que era uma águia. Mesmo assim, após a revelação de sua verdadeira identidade, ela queria continuar vivendo como uma galinha. Até o dia em que foi expulsa do galinheiro. A tarefa exigida pelo professor de Filosofia era: escrever uma carta para Áquila (minha amiga disse que esse era o nome da ave, mas eu não cheguei a ler o texto que serviu de base para a atividade), a águia, com alguns conselhos sobre como lidar com a crise pela qual ela estava passando. Segue a cartinha para Áquila, escrita por mim, na condição de ghost-writer de minha estimada amiga.

“Cara Áquila,

Embora sejamos espécies diferentes do reino animal, compreendo, perfeitamente, como você se sente, o conflito pelo qual está passando. Realmente, não é fácil experimentar uma mudança tão radical, de um dia para o outro. Os da minha espécie chamam isso de mudança de paradigma, trata-se de algo semelhante a uma revolução: ter o céu como limite, ter uma visão de amplo alcance, depois de, durante anos e anos, passar boa parte do tempo só olhando para o chão, num raio bastante limitado.

No meu mundo, nos dias de hoje, talvez a mudança seja a única constante. Mesmo assim, são muitos os que, como você, reagem com medo diante de uma realidade desconhecida, em vez de encarar, como desafio, o necessário processo de adaptação, não vislumbrando, grande parte das vezes, a abertura de novas possibilidades. E olhe que nós humanos temos uma enorme capacidade de aprendizado, ao contrário das galinhas que, ainda que quisessem ser como as águias, jamais poderiam fugir de sua natureza.

Alguns da minha espécie se olham no espelho, se sentem grandessíssimos idiotas por não usarem dez por cento de sua cabeça animal enquanto outros levam sua vidinha normalmente e se contentam com o fato de o Senhor ter lhes concedido o domingo para passear com a família no jardim zoológico e dar pipoca aos macacos. Áquila, minha cara, você tem pela frente a possibilidade de voar e conhecer novos horizontes, mas se recusa a ver isso, por mero apego aos velhos hábitos, à realidade com a qual está acostumada, só porque esta lhe parece mais cômoda.

Veja o que aconteceu com minhas semelhantes, as mulheres; podemos, inclusive, estabelecer um paralelo com a sua história. No início do século passado, as fêmeas da minha espécie eram criadas para servirem aos seus machos e cuidarem do seu ninho. Essa era a realidade que elas conheciam. No entanto, algumas delas perceberam que tinham potencial para alçar vôos maiores e passaram a se questionar: por que viver como galinhas, se podiam ser como as águias?

Mais do que viver um conflito interno como o que está sendo vivenciado por você, tais mulheres tiveram de travar um conflito muito maior. Foi difícil, mas valeu a pena: com muito custo, conquistaram posições de destaque na sociedade, garantiram seu lugar no mercado de trabalho, conseguiram sua independência financeira, a liberdade e o poder de serem senhoras do seu destino. Mais do que se defrontarem com uma realidade desconhecida, muitas delas desempenharam um papel fundamental na criação de uma nova realidade. Mais do que se adaptarem às mudanças, existiram aquelas que provocaram as mudanças. Você tem noção do que é isso?

No entanto, apesar de todas essas conquistas, há muitas mulheres que agem exatamente como você: descobriram que são águias, mas continuam vivendo como galinhas, preocupadas em manter os pintinhos debaixo das asas e baixando a crista quando o marido canta de galo.

Espero que desse exemplo você possa tirar algumas lições, do mesmo modo que conhecer a sua história me serviu de estímulo para esta reflexão. Como conselho derradeiro, só me resta dizer: levante a cabeça, mire o horizonte que tem pela frente e decole. Não há razão para medo, você está totalmente equipada para voar. Devo reconhecer que eu também, ainda que num sentido metafórico.”

Parabéns para todas as mulheres, principalmente aquelas que têm garra para alçar vôos cada vez mais altos. Às outras que ainda não chegaram nesse estágio, recomendo que brindem o Dia Internacional da Mulher com uma taça de Redbull. Afinal, Redbull TE DÁ ASAS!!!!!!!

4 comentários:

Omar Monteiro Mendes disse...

Parabéns pelo blog.Eu adoro as águias criadas entre as galinhas. Galinha com águia, àguia com galinha. Viva a louca vida e para o auto e avante. Beijos

Unknown disse...

Está de parabéns!!! Apesar de desconcordar em parte, é um belo texto. Não querendo semear o desafino mas se por um lado vcs conquistaram "posições de destaque na sociedade, garantiram seu lugar no mercado de trabalho" e o blá blá blá de praxe, por outro deixaram de lado o modelo familiar. Não quero "genializar" como diz um amigo meu mas, penso que a mulher talvez por necessidade ou outra desculpa esfarrapada qualquer encarou a luta como sendo: Mulheres X Homens enquanto o ideal, o estalão, o cânone deveria ser Mulheres + Homens e vice versa. Vale a pena refletir e escrever sobre isso tb. Bju do véio.

Cris disse...

Valeu, Omazito! Também sou a favor da diversidade e da interação entre os diferentes. Nada contra a convivência entre águias e galinhas. Beijos

Cris disse...

Valeu, Hans! Não tiro sua razão. Acho muito chato o discurso feminista tradicional sob a ótica da disputa. Mesmo a águia precisa do seu macho ao lado e do aconchego do seu ninho. A questão central do texto é outra: trata-se de uma crítica àqueles (embora se destine àquelas, principalmente) que descobrem o potencial de ir além e se apegam às suas vidinhas, por hábito e medo de arriscar-se. Beijo da véa